E aí que eu entrei no trem e, depois de uma estação, entra um rapaz de uns 25 anos, meio maltrapilho e começa a falar:
"Pessoal, um minuto da atenção de vocês! Desculpe atrapalhar a viagem, mas estou aqui porque estou desesperado. Sou catador de material reciclável, mas há umas duas semanas a prefeitura levou minha carroça embora e eu não posso trabalhar. Sou HIV positivo, HPV positivo e preciso trabalhar, por isso estou aqui pedindo uma ajuda, qualquer quantia, para poder comprar uma nova carroça e voltar a fazer este trabalho de reciclagem. Se alguém quiser ver, aqui tenho todos os papéis das Clínicas mostrando que eu sou doente."
Algumas pessoas, movidas pelo discurso triste e comovente, rapidamente procuraram em suas bolsas moedas e notas de dois reais para ajudar o pobre rapaz.
Após as doações, o rapaz fazia questão de agradecer a cada dizendo: "Obrigado e Deus que abençoe."
Eu, normalmente, me comovo e dou algum trocado que esteja perdido pela bolsa, ainda que história seja um tremendo caô. Mas, nesse caso, a história era tão ruim que eu realmente não consegui nem dar 10 centavos pro maluco ir embora.
O cara é tão político que, antes mesmo de começar a falar, já vai se desculpando e tenta conquistar todo mundo por sua condição de "desesperado".
Antes, eles chegavam dizendo "eu podia estar matando, podia estar roubando, mas estou aqui pedindo" ou "sou um ex-presidiário e não consigo arrumar emprego, por isso, pra não voltar pro crime, estou pedindo ajuda dentro dos coletivos..." e blá, blá, blá... Agora, o discurso tem toda uma preocupação ecológica, de sustentabilidade: "sou catador de material reciclável".
Aí, pra deixar a situação mais preta pro lado dele e mais comovente pro nosso lado, ele manda umas doenças ou inclui a família no discurso: "tenho cinco filhos pra criar, minha mulher está desempregada....". Nesse caso, nosso amigo escolheu a doença como amiga, mas peraí: HIV, tudo ok, mas HPV?!?!? Calmaê, rapaz, sua doenca é outra: como um homem pode ter HPV? Eu devia mesmo ter pedido os papéis pra dar uma olhada no caso dele, atesado pelas Clínicas!
Enfim, acho que o repertório de histórias dos pedintes dos trens, metrôs e ônibus está acabando e eles estão apelando. Podiam ao menos falar de coisas mais reais e mais convincentes, não?