quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Eu podia estar matando, podia estar roubando, mas...

E aí que eu entrei no trem e, depois de uma estação, entra um rapaz de uns 25 anos, meio maltrapilho e começa a falar:

"Pessoal, um minuto da atenção de vocês! Desculpe atrapalhar a viagem, mas estou aqui porque estou desesperado. Sou catador de material reciclável, mas há umas duas semanas a prefeitura levou minha carroça embora e eu não posso trabalhar. Sou HIV positivo, HPV positivo e preciso trabalhar, por isso estou aqui pedindo uma ajuda, qualquer quantia, para poder comprar uma nova carroça e voltar a fazer este trabalho de reciclagem. Se alguém quiser ver, aqui tenho todos os papéis das Clínicas mostrando que eu sou doente."

Algumas pessoas, movidas pelo discurso triste e comovente, rapidamente procuraram em suas bolsas moedas e notas de dois reais para ajudar o pobre rapaz.

Após as doações, o rapaz fazia questão de agradecer a cada dizendo: "Obrigado e Deus que abençoe."

Eu, normalmente, me comovo e dou algum trocado que esteja perdido pela bolsa, ainda que história seja um tremendo caô. Mas, nesse caso, a história era tão ruim que eu realmente não consegui nem dar 10 centavos pro maluco ir embora.

O cara é tão político que, antes mesmo de começar a falar, já vai se desculpando e tenta conquistar todo mundo por sua condição de "desesperado".

Antes, eles chegavam dizendo "eu podia estar matando, podia estar roubando, mas estou aqui pedindo" ou "sou um ex-presidiário e não consigo arrumar emprego, por isso, pra não voltar pro crime, estou pedindo ajuda dentro dos coletivos..." e blá, blá, blá... Agora, o discurso tem toda uma preocupação ecológica, de sustentabilidade: "sou catador de material reciclável".

Aí, pra deixar a situação mais preta pro lado dele e mais comovente pro nosso lado, ele manda umas doenças ou inclui a família no discurso: "tenho cinco filhos pra criar, minha mulher está desempregada....". Nesse caso, nosso amigo escolheu a doença como amiga, mas peraí: HIV, tudo ok, mas HPV?!?!? Calmaê, rapaz, sua doenca é outra: como um homem pode ter HPV? Eu devia mesmo ter pedido os papéis pra dar uma olhada no caso dele, atesado pelas Clínicas!

Enfim, acho que o repertório de histórias dos pedintes dos trens, metrôs e ônibus está acabando e eles estão apelando. Podiam ao menos falar de coisas mais reais e mais convincentes, não?

2 comentários:

Guilhermé disse...

Imagino que o malandro tivesse toda a pinta de picareta, mas esse lance de esmola é bastante tenso p/ mim. Já descobri profissionais da mendicância, como já me comovi c/ histórias reais. Muitas vezes acaba dependendo do nosso estado de espírito na hora também...
Escrevi sobre isso faz um tempo, se interessar, dá uma conferida.
http://resistenciacarioca.blogspot.com/2009/03/esmola.html

Imira disse...

Só faltou ele falar que o pediatria indicou uma mastectomia pra ele...

Me lembrei de uma ocasião, em 2008. Eu tava indo pra Pinheiros a trabalho e entraram dois malacos no ônibus. Veja que original:

(passaram por baixo da catraca, fizeram cara de mal e começaram)

É o seguinte, nóis acabô de saí do 78 depê i nóis num qué voltá pru crime. Mais si num colaborá, num vai tê jeito. Então o melhor é ajudá nóis a não voltá pro crime. Mais si tivé qui voltá, num vai sê pobrema...

Bem mais honesto!