quarta-feira, 25 de julho de 2012

Oh, Josué!!!


Médico, geógrafo, cientista e professor universitário, Josué de Castro nasceu no Recife em setembro de 1908.

Em 1932, três anos após se formar em Medicina no Rio de Janeiro, tornou-se livre-docente em Fisiologia na Faculdade de Medicina do Recife graças à tese intitulada “O problema fisiológico da alimentação”, que servirá de base para toda a sua obra.

Ao assumir a função de professor catedrático de Geografia Humana na Faculdade Nacional da Universidade do Brasil, em 1940, publica A alimentação brasileira à luz da geografia humana, em que já esboça as primeiras ideias relacionadas a políticas e órgãos do Estado com o objetivo de melhorar a condição de vida e saúde da população.

Embaixador do Brasil em Genebra, em decorrência do golpe militar, tem seus direitos políticos cassados. E, exilado na França, onde foi professor da Universidade de Paris e presidiu o conselho da Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO), Castro falece aos 65 anos em 1973.

Além de ter recebido indicações para o Prêmio Nobel da Paz por duas vezes, o geógrafo publicou diversas obras, traduzidas para mais de 25 idiomas, entre elas Geografia da fome, Geopolítica da fome e o romance Homens e caranguejos.

Josué de Castro acreditava que a realidade em que vivia e sobre a qual debruçava seus estudos estava diretamente ligada a um conjunto de fatores étnicos, econômicos, históricos e naturais, que contribuíam de maneira definitiva para a análise dos problemas sociais e econômicos relacionados à questão da fome.

Ao estudar a fome, tomava-a como algo multidisciplinar, que envolvia a fisiologia, fatores físicos, morais, as condições do meio, entre outras abordagens, como se observa em trecho de sua obra A alimentação brasileira à luz da geografia humana:

(…) Para ser estabelecida uma alimentação racional fundada sobre os princípios rigorosamente científicos, alimentação que constitui a necessidade mais premente da vida e condição essencial para uma eficaz atividade produtiva de um povo, numa determinada região, são precisos, de um lado, estudos aprofundados da  fisiologia da nutrição, dos caracteres físicos e morais do povo dessa região, de sua  evolução demográfica, de sua capacidade e resistência orgânicas e de outro lado, estudo das condições físicas do meio, das suas condições econômicas, da organização social e dos gêneros da vida dos seus habitantes. Abarca, assim, o estudo da alimentação, capítulos de biologia, de antropologia, física e cultural, de etnogeografia, biologia, de patologia, de sociologia, de economia política e mesmo de história. (CASTRO, 1937: 22)

Na verdade, o que importa para Castro e perpassará toda sua obra é observar a fome como um fenômeno que envolve a ação do homem, do solo, do clima, da vegetação, do trabalho, não apenas um fenômeno geográfico, descritivo.

Único romance escrito por ele, Homens e caranguejos foi escrito em 1966 e publicado em 1967. Em tom aparentemente autobiográfico, a obra traz a história de João Paulo, um garoto pobre que começa a descobrir o mundo a partir da miséria e da lama do mangue. No decorrer da obra, o autor vai mostrando como as brincadeiras de infância são deixadas de lado dando lugar à dura vida do mangue, em que meninos se tornam caranguejos, enfiados na lama à procura do alimento.

É um retrato de como o fenômeno da fome se constrói e se desenvolve numa comunidade típica do Nordeste do Brasil, sem integração e que vegeta marginalizada.

Já no prefácio da obra, por meio do título “Prefácio um tanto gordo para um romance um tanto magro”, o autor anuncia que tratará, mais uma vez, da questão da fome, como se vê em trechos como:

Sentindo que a história que vou contar é uma história magra, seca, com pouca carne de romance, resolvi servi-la com uma introdução explicativa que engordasse um pouco o livro e pudesse, talvez, enganar a fome do leitor… (CASTRO, 2007: 9)
 (…) uma copiosa introdução a este romance que tem, como personagem central, ao drama da fome.” (CASTRO, 2007: 9)

É neste texto inicial que Castro estabelece o cenário em que se passará a história: “Nas terras pobres e famintas do Nordeste brasileiro, onde nasci…” (CASTRO, 2007: 9).

Ainda no prefácio, o autor relata que o livro traz uma história vivida por ele em seus anos de infância, a história da descoberta da fome, nos alagados da cidade do Recife, onde conviveu com a miséria, nos mangues do Capibaribe.

Estabelece também a relação homem/caranguejos, metáfora maior que é explorada ao longo do livro:

Esta é que foi a minha Sorbonne: a lama dos mangues do Recife, fervilhando de caranguejos e povoada de seres humanos feitos de carne de caranguejo, pensando e sentindo como caranguejos. Seres anfíbios – habitantes da terra e da água, meio homens e meio bichos. Alimentados na infância com caldo de caranguejo: este leite de lama. Seres humanos que se faziam assim irmãos de leite dos caranguejos. Que aprendiam a engatinhar e a andar com os caranguejos da lama e que depois de terem bebido na infância este leite de lama, de se terem enlambuzado com o caldo grosso da lama dos mangues, de se terem impregnado de seu cheiro de terra podre e de maresia, nunca mais podiam libertar desta crosta de lama que os tornava tão parecidos com os caranguejos, seus irmãos, com as suas duras carapaças também enlambuzadas de lama.
Cedo me dei conta deste estranho mimetismo: os homens se assemelhando em tudo aos caranguejos. Arrastando-se, acachapando-se como os caranguejos para poderem sobreviver. Parados como os caranguejos na beira da água ou caminhando para trás como caminham os caranguejos. (CASTRO, 2007: 10)

A grande questão da obra é a desse homem-caranguejo, que vive à margem dessa que é a quarta pior cidade do mundo, Recife, e de sua relação com a angústia da fome. O tema está presente em todos os capítulos da obra, nos assuntos abordados, na própria linguagem, na gíria, etc.

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