Inominável. Não é tudo, mas parte. É como boa poesia: bem
escrita, mas sem rima. Boa companhia para conversar - sobre futebol, carnaval,
arte, livros, Big Brother; para passear - ainda que seja um passeio até o ponto
do ônibus errado; para rir; para ouvir Céu e Hurtmold; para aprender coisas -
como abrir arquivos em rar, enfim.... Mas (e sempre há um "mas), às vezes,
é a abelha estranha que sai da rosa quando menos se espera, pronto para espetar
seu ferrão na primeira vítima alérgica que encontra. Mesmo assim, é o veneno e
o antídoto. Doce e azedo. Sol e tempestade. Luz e sombra. O corte e a cicatriz.
Não é sim, nem não, é sempre talvez... A boboca e o moço, a enxerida paranoica
e o rudeboy, a malemolenga e aquele que n'est pas..., talvez Vladimir e
Estragon à espera de Godot. Talvez seja essa a história dessa amizade (que
poderia ser temporária, mas parece estar se tornando permanente). Mas quem ou o
que é o Godot que esperam? Não sei, mas permanecem sentados esperando. Em
poucas palavras: foi aquele a quem eu concedi o status de "amigo". Facilmente. (14/03/2010)
quarta-feira, 19 de dezembro de 2012
Foram tempos de amizade e amor intensos. No início, os dois completamente disponíveis - corações, braços, emoções, sempre abertos e prontos a dar e receber. Até que chega um dia (e a impressão que fica é de que o dia sempre chega), em que não se reconhecem. O amor e a amizade se transformam em indisposição. E o simples fato de haver amor na amizade transforma uma vida inteira que poderia ter sido em algo que nunca foi.
A novela Avenida Brasil acaba hoje e só se fala nisso.
Boa ou má, todo mundo tem uma opinião sobre a novela. Se má, normalmente, a opinião gira em torno da alienação provocada pela Globo, do fato de que novela não mostra realidade, de que é melhor desligar a televisão e ler um livro, enfim...
Por que a novela gerou tanta comoção e, acima de tudo, identificação, eu não sei, mas, tirando o lado do entretenimento, essa novela mostrou uma coisa importante sim; mostrou como famílias desestruturadas geram crianças e, consequentemente, adultos desestruturados. Carminha e Max foram vilões mesmo? Ou seriam vítimas da situação?
Acho engraçado aceitarem rappers, funkeiros, filmes como Cidade de Deus, Ônibus 174, entre outros, como "obras-primas" que mostram a realidade do povo brasileiro ou veículos de denúncia da situação social, mas não aceitarem a novela (que é o que está mais próximo do povo) como tal. Não estou defendendo novela, muito menos a Globo; a gente tem controle remoto pra isso, pra selecionar o que vai assistir e, se for na Globo, se for na novela, tá valendo.
Eu não tenho ideia de quem seja Tim Knol. Só sei que ele é holandês e
que é de uma música dele (When I am king) esse clipe maravilhoso.
Unindo o digital ao analógico, um cara fez uma animação com as pecinhas de madeira, que acho que foram ilustradas com
pirógrafo. Ficou sensacional e a música é muito bonitinha também!!
A metáfora do homem-caranguejo foi utilizada na obra de Josué de Castro e também na de Chico Science.
Assim, partindo da ideia de Bakhtin que todo texto traz em si uma
heterogeneidade constitutiva, uma relação com o exterior que perpassa
sua estrutura e está presente em qualquer discurso, pude verificar
algumas relações entre a música “Da lama ao caos”, de Science, e o
romance Homens e caranguejos.
Em Linguagem e ideologia, Fiorin afirma: “O homem aprende
como ver o mundo pelos discursos que assimila e, na maior parte das
vezes, reproduz esse discurso em sua fala” (FIORIN, 2007: 35). Essa
ideia reflete, na verdade, a de que o outro sempre permeia o discurso,
numa relação dialógica, e cada fala é resultado do confronto
inevitável entre o eu e o outro, aqui entendido como o que está
prescrito na relação (que não é necessariamente o outro com quem estou
falando).
Assim, é inerente ao discurso a heterogeneidade discursiva: “O outro
está presente sempre e em todo lugar” (AUTHIER-REVEZ apud DISCINI,
2004: 11). Ao falar sobre essa heterogeneidade, Bakhtin utiliza o termo
“dialogismo”, conceito de diálogo que existe entre o ser humano e a
cultura.
Ao falar sobre dialogismo, é importante distinguir o que é
intertextualidade e interdiscursividade. Apesar dos dois fenômenos
estarem relacionados à presença de diferentes vozes num mesmo discurso,
isso se dá de forma diferente.
A interdiscursividade é definida por Fiorin como: “o processo em que
se incorporam percursos temáticos e/ou figurativos, temas e/ou figuras
de um discurso em outro” (FIORIN, 2003: 32).
Já a intertextualidade é definida pelo mesmo autor como: “o processo
de incorporação de um texto em outro, seja para produzir o sentido
incorporado, seja para transformá-lo” (FIORIN, 2003: 30) e pode se dar
interna ou externamente. A interna ou implícita refere-se à
heterogeneidade constitutiva do discurso e está relacionada à
interdiscursividade. A externa ou explícita diz respeito à incorporação
de um texto a outro e pode se dar de três maneiras: citação, alusão e
estilização.
Passando das teorias, que quase ninguém entende, para a prática,
peguei “Da lama ao caos”, de Chico Science, música que dá nome ao
primeiro álbum do grupo CSNZ, e nela pude observar referências à cena
urbana do Recife (“fui na feira roubar tomate e cebola”), às canções
populares locais, aos caranguejos, à questão da organização social
(“Que eu me organizando posso desorganizar/Que eu desorganizando posso
me organizar”) e ao autor de Homens e caranguejos, Josué de Castro
(“Oh, Josué, eu nunca vi tamanha desgraça”).
A interdiscursividade (ou intertextualidade
implícita) refere-se às relações dialógicas presentes no texto e, nesse
sentido, ao analisarmos a canção percebemos que isso se dá por meio da
citação, já que repete ideias, percursos temáticos e figurativos, por
exemplo:
O sol queimou, queimou a lama do rio
Eu vi um chié andando devagar
Vi um aratu pra lá e pra cá
Vi um caranguejo andando pro Sul
Saiu do mangue, virou gabiru
No trecho acima, é possível identificar a metáfora do
homem-caranguejo, que vive no mangue desde pequeno (chié) e seu desejo
de migrar para o Sul (“Vi um caranguejo andando pro Sul”), onde será
identificado como “gabiru”. A mesma ideia de homem-caranguejo, criado
pra lá e pra cá no mangue e que, finalmente, vai para o Sul em busca de
algo melhor é apresentada ao longo da obra Homens e caranguejos. Isso
pode ser exemplificado por um trecho do Capítulo II – De como aparecem
aos olhos de João Paulo os cavaleiros da miséria com suas estranhas
armaduras de barro:
(…) O que agora sente é um cheiro frio de lama podre, de terra morta
em decomposição. Cheiro de carniça da terra que deve excitar o olfato e
o apetite dos urubus e dos cachorros famintos, mas que deixa João
Paulo entorpecido, quase nauseado. Reagindo à depressão, se acende na
alma infantil de João Paulo um grande desejo de libertação. De evasão
daquela paisagem humana parada e monótona. Desejo imperioso de sair de
tudo. De sair de dentro de si mesmo. De sair do círculo fechado da
família. Do ciclo do caranguejo. Da cidade do Recife. Um desejo
desesperado de arrebentar com todas as amarras que o ligam à lama
pegajosa do vale do Capibaribe e às folhas viscosas do mangue.
(CASTRO, 2007: 41 e 42)
O artista recupera termos locais para
designar esses homens-caranguejos presentes na obra de Castro, como o
“chié”, caranguejo pequeno, mas que no contexto popular, toma novo
significado, o de menino pobre, de rua; “aratu”, uma espécie de
caranguejo com grande habilidade para subir em árvores do mangue; e
“gabiru”, um tipo de rato, mas que, na canção, é recontextualizado
adquirindo o significado de mendigo. São todas figuras, que assim como
João Paulo está pensando, vão deixando o mangue.
Ao falar do “gabiru”, Science recupera ainda o tema da fome,
abordado por Castro. O homem gabiru pernambucano é a imagem exata do
que a pobreza nordestina produz – uma população de nanicos, de altura
média de 1,35 metros, resultado de má alimentação e casos extremos de
fome. Além disso, o autor utiliza referências a alimentos, quando fala,
por exemplo, “fui na feira roubar tomate e cebola/Ia passando uma véia
pegou a minha cenoura”, reforçando a questão da fome pelos vocábulos
utilizados, pela linguagem. No prefácio do romance, intitulado “Prefácio
um tanto gordo para um romance um tanto magro”, pode-se observar como a
questão da fome está intimamente ligada ao romance e a toda a obra do
autor:
(…) Foi assim que eu vi e senti formigar dentro de mim a terrível
descoberta da fome. Da fome de uma população inteira escravizada à
angústia de encontrar o que comer. Vi os caranguejos espumando de fome
à beira da água, à espera que a correnteza lhes trouxesse um pouco de
comida, um peixe morto, uma casca de fruta, um pedaço de bosta que eles
arrastariam para o seco matando a sua fome. E vi, também os homens
sentados na balaustrada do velho cais a murmurarem monossílabos, com um
talo de capim enfiado na boca, chupando o suco verde do capim e
deixando escorrer pelo canto da boca uma saliva esverdeada que me
parecia ter a mesma origem da espuma dos caranguejos: era a baba da
fome. Pouco a pouco, por sua obsessiva presença, este vago desenho da
fome foi ganhando relevo, foi tomando forma e sentido em meu espírito.
Fui compreendendo que toda a vida dessa gente girava em sempre em torno
de uma só obsessão – a angústia da fome. Sua própria linguagem era uma
linguagem que quase não fazia alusão a outra coisa. A sua gíria era
sempre carregada de palavras evocando comidas. As comidas que desejavam
com desenfreado apetite. A propósito de tudo se dizia: é uma sopa, é
uma canja, é um tomate, é uma ova, é um abacaxi, é uma batata, é
pão-pão, é queijo-queijo. Era como se esta gíria fosse uma espécie de
compensação mental de um povo sempre faminto. De um povo inteiro de
barriga vazia, mas com a cabeça cheia de comidas imaginárias. (CASTRO,
2007: 17)
É possível ainda identificar uma relação
interdiscursiva por meio da alusão. No verso “Oh, Josué, eu nunca vi
tamanha desgraça/Quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça”,
incorporam-se temas como a ameaça dos urubus e dos cachorros famintos,
além da figura do “urubu” (“Cheiro de carniça da terra que deve excitar
o olfato e o apetite dos urubus e dos cachorros famintos”).
A mesma relação está presente no Capítulo X –
De como as águas cresceram por sobre o ventre da terra, em que o autor
utiliza a imagem do “urubu” pra falar sobre a questão da fome,
mostrando que o urubu está sempre à espreita para o que vier, numa luta
constante por sobrevivência, tanto por parte dos homens, quanto dos
caranguejos, como dos urubus:
Desce também muito bicho morto: carneiro, cachorro e cabra. E até vacas
com o bucho enorme, distendido pelos gases, as cabeças submersas,
parecendo mais baleias do que mesmo vacas. Os urubus montados nas
carcaças, viajando água abaixo agarrados na sua carniça. Passa, de vez
em quando, uma galinha morta, que os tripulantes das barcaças e das
jangadas procuram agarrar para se garantirem de alguma comida nos dias
difíceis que os esperam. (CASTRO, 2007: 147 e 148)
Recupera-se também neste trecho da canção
toda a obra de Josué de Castro – lida por Science e que serviu de base
para a formação do movimento manguebeat – e todas as suas idéias, como
se o geógrafo fosse uma espécie de salvação para a situação, por meio do
chamamento “Oh, Josué”.
A letra inteira remete à miséria do mangue e à necessidade de se
alterar essa situação, seja pela organização ou pela desorganização
(“Que eu me organizando posso desorganizar/Que eu desorganizando posso
me organizar”).
A canção de Chico Science ainda retoma a fala do Velho Faceta
conhecido por seu pastoril profano, que tem como tema principal o sexo,
num folguedo repleto de malícia e sentidos distorcidos. Assim, por
meio da citação, repete a idéia de malícia presente no pastoril em
trecho de duplo sentido e caráter erótico: “Ia passando uma véia pegou a
minha cenoura/Aí, minha véia, deixa a cenoura aqui”. Isso se dá também
pela alusão, ao incorporar ao texto termos como “balaio”, “véia” e
“cenoura”.
Mas os folguedos típicos do Recife não estão presentes somente pela
inclusão de palavras coloquiais, populares, como “bucho”, “véia”,
“balaio”, mas a própria batida da música, após os cinco primeiros
versos – estes fortemente marcados pelas guitarras distorcidas, traz à
tona o ritmo dos maracatus, com suas alfaias, atabaques, bombos, ainda
que acompanhados por um vocal mais ligado ao rap e por algumas batidas
de funk, numa releitura pós-modernista.
No que diz respeito à intertextualidade
explícita, o que ocorre no trabalho de Science é uma absorção do texto
de Josué de Castro por citação, confirmando o sentido do texto do
médico. Por exemplo, ao escrever: “Que eu me organizando posso
desorganizar/Que eu desorganizando posso me organizar/ Da lama ao
caos/Do caos à lama/Um homem roubado nunca se engana”, Science retoma o
fato de esses homens-caranguejos, como no romance, irem da lama ao
caos e do caos à lama, no que Josué de Castro chama de “ciclo do
caranguejo”, ou ainda “ciclo da fome”:
São duzentos mil indivíduos, duzentos mil
cidadãos feitos de carne de caranguejos. O que o organismo rejeita
volta como detrito para a lama do mangue para virar caranguejo outra
vez.Nesta aparente placidez do charco desenrola-se, trágico e
silencioso, o ciclo do caranguejo. O ciclo da fome devorando os homens e
os caranguejos, todos atolados na lama. (CASTRO, 2007: 27)
(…) É a população dos mocambos dando sinais de vida, preparando-se para viver um novo ciclo do caranguejo. (CASTRO, 2007: 27)
Mas, ainda assim, diante da suposta ajuda do governo, como no caso da
tempestade que ocorre no romance, “um homem roubado nunca se engana” e,
por isso, não aceita ajuda:
É que, com a descida das águas, a vida dos
habitantes dos mangues longe de melhorar, caminhava para pior. A fome
aumentava ainda mais. Passada a fase aguda da catástrofe, os poderes
público logo suspendiam a ajuda que davam aos flagelados. (CASTRO,
2007: 157)
A fome foi-se alastrando impiedosamente,
associando-se às doenças que proliferaram com a cheia de maneira
assustadora. (CASTRO, 2007: 158)
É que o habitante do mangue,
principalmente o que veio de cima, desceu do sertão na seca, acossado
pela fome e pela sede, é em regra um cabra de gênio difícil. (CASTRO,
2007: 160)
Não forma feitos para lamber o cu de
ninguém. Não se iam alistar para votar num governo que os matava de
fome. Governo aliado dos grandes proprietários que os havia expulsado
das suas terras sem piedade. (CASTRO, 2007: 160)
Preferiam continuar morrendo de fome a vender a sua dignidade por um dez-mil-réis-de-mel-coado. (CASTRO, 2007: 160)
Entretanto, poderíamos afirmar que as vozes presentes nos dois textos
dialogam por meio de um ponto de vista diverso, numa relação polêmica,
uma vez que, na canção, o eu-lírico afirma poder sair do local (“Posso
sair daqui pra me organizar”) – um destes homens-caranguejos chega ,
inclusive, a ir para o Sul -, porém, no romance de Josué de Castro,
ocorre que, ainda que o menino João Paulo tente encontrar uma forma de
escapar de seu destino:
(…) João Paulo sentiu uma confusão na cabeça e um formigamento no
corpo. Disparou na carreira. Corria em ziguezague como correm os
caranguejos, procurando descobrir de onde vinha mesmo o barulho da
tempestade. (CASTRO, 2007: 179)
ele segue sua vida, seu ciclo e vira caranguejo, alimentando, com seu
corpo em decomposição, o ciclo dos caranguejos, que irá alimentar
outros homens-caranguejos:
(…) Dentre eles, enterrado nos mangues, deve estar, em qualquer parte, o
corpo de João Paulo que, com a sua carne em decomposição, irá
alimentar a lama que alimenta o ciclo do caranguejo. (CASTRO, 2007:
188)
Médico, geógrafo, cientista e professor universitário, Josué de Castro nasceu no Recife em setembro de 1908.
Em 1932, três anos após se formar em Medicina no Rio de Janeiro,
tornou-se livre-docente em Fisiologia na Faculdade de Medicina do
Recife graças à tese intitulada “O problema fisiológico da
alimentação”, que servirá de base para toda a sua obra.
Ao assumir a função de professor catedrático de Geografia Humana na
Faculdade Nacional da Universidade do Brasil, em 1940, publica A
alimentação brasileira à luz da geografia humana, em que já esboça as
primeiras ideias relacionadas a políticas e órgãos do Estado com o
objetivo de melhorar a condição de vida e saúde da população.
Embaixador do Brasil em Genebra, em decorrência do golpe militar,
tem seus direitos políticos cassados. E, exilado na França, onde foi
professor da Universidade de Paris e presidiu o conselho da Organização
para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO), Castro falece
aos 65 anos em 1973.
Além de ter recebido indicações para o Prêmio Nobel da Paz por duas
vezes, o geógrafo publicou diversas obras, traduzidas para mais de 25
idiomas, entre elas Geografia da fome, Geopolítica da fome e o romance Homens e caranguejos.
Josué de Castro acreditava que a realidade em que vivia e sobre a
qual debruçava seus estudos estava diretamente ligada a um conjunto de
fatores étnicos, econômicos, históricos e naturais, que contribuíam de
maneira definitiva para a análise dos problemas sociais e econômicos
relacionados à questão da fome.
Ao estudar a fome, tomava-a como algo multidisciplinar, que envolvia
a fisiologia, fatores físicos, morais, as condições do meio, entre
outras abordagens, como se observa em trecho de sua obra A alimentação brasileira à luz da geografia humana:
(…) Para ser estabelecida uma alimentação racional fundada sobre os
princípios rigorosamente científicos, alimentação que constitui a
necessidade mais premente da vida e condição essencial para uma eficaz
atividade produtiva de um povo, numa determinada região, são precisos,
de um lado, estudos aprofundados da fisiologia da nutrição, dos
caracteres físicos e morais do povo dessa região, de sua evolução
demográfica, de sua capacidade e resistência orgânicas e de outro lado,
estudo das condições físicas do meio, das suas condições econômicas, da
organização social e dos gêneros da vida dos seus habitantes. Abarca,
assim, o estudo da alimentação, capítulos de biologia, de antropologia,
física e cultural, de etnogeografia, biologia, de patologia, de
sociologia, de economia política e mesmo de história. (CASTRO, 1937:
22)
Na verdade, o que importa para Castro e perpassará toda sua obra é
observar a fome como um fenômeno que envolve a ação do homem, do solo,
do clima, da vegetação, do trabalho, não apenas um fenômeno geográfico,
descritivo.
Único romance escrito por ele, Homens e caranguejos foi
escrito em 1966 e publicado em 1967. Em tom aparentemente
autobiográfico, a obra traz a história de João Paulo, um garoto pobre
que começa a descobrir o mundo a partir da miséria e da lama do mangue.
No decorrer da obra, o autor vai mostrando como as brincadeiras de
infância são deixadas de lado dando lugar à dura vida do mangue, em que
meninos se tornam caranguejos, enfiados na lama à procura do alimento.
É um retrato de como o fenômeno da fome se constrói e se desenvolve
numa comunidade típica do Nordeste do Brasil, sem integração e que
vegeta marginalizada.
Já no prefácio da obra, por meio do título “Prefácio um tanto gordo
para um romance um tanto magro”, o autor anuncia que tratará, mais uma
vez, da questão da fome, como se vê em trechos como:
Sentindo que a história que vou contar é uma história
magra, seca, com pouca carne de romance, resolvi servi-la com uma
introdução explicativa que engordasse um pouco o livro e pudesse,
talvez, enganar a fome do leitor… (CASTRO, 2007: 9)
(…) uma copiosa introdução a este romance que tem, como personagem central, ao drama da fome.” (CASTRO, 2007: 9)
É neste texto inicial que Castro estabelece o cenário em que se
passará a história: “Nas terras pobres e famintas do Nordeste
brasileiro, onde nasci…” (CASTRO, 2007: 9).
Ainda no prefácio, o autor relata que o livro traz uma história
vivida por ele em seus anos de infância, a história da descoberta da
fome, nos alagados da cidade do Recife, onde conviveu com a miséria, nos
mangues do Capibaribe.
Estabelece também a relação homem/caranguejos, metáfora maior que é explorada ao longo do livro:
Esta é que foi a minha Sorbonne: a lama dos mangues do
Recife, fervilhando de caranguejos e povoada de seres humanos feitos de
carne de caranguejo, pensando e sentindo como caranguejos. Seres
anfíbios – habitantes da terra e da água, meio homens e meio bichos.
Alimentados na infância com caldo de caranguejo: este leite de lama.
Seres humanos que se faziam assim irmãos de leite dos caranguejos. Que
aprendiam a engatinhar e a andar com os caranguejos da lama e que
depois de terem bebido na infância este leite de lama, de se terem
enlambuzado com o caldo grosso da lama dos mangues, de se terem
impregnado de seu cheiro de terra podre e de maresia, nunca mais podiam
libertar desta crosta de lama que os tornava tão parecidos com os
caranguejos, seus irmãos, com as suas duras carapaças também
enlambuzadas de lama. Cedo me dei conta deste estranho mimetismo: os homens se
assemelhando em tudo aos caranguejos. Arrastando-se, acachapando-se como
os caranguejos para poderem sobreviver. Parados como os caranguejos na
beira da água ou caminhando para trás como caminham os caranguejos.
(CASTRO, 2007: 10)
A grande questão da obra é a desse homem-caranguejo, que vive à margem
dessa que é a quarta pior cidade do mundo, Recife, e de sua relação com
a angústia da fome. O tema está presente em todos os capítulos da
obra, nos assuntos abordados, na própria linguagem, na gíria, etc.
Quando eu era pequena não havia tantos shoppings em São Paulo (não que eu seja um ser pré-histórico, mas havia poucos shoppings mesmo), a cidade era razoavelmente tranquila e comprávamos roupas, móveis, utensílios domésticos, brinquedos, qualquer coisa em lojas de rua que se reuniam no centro da cidade.
Das coisas que mais marcaram a minha infância foram as tardes - que se prolongavam noite adentro - de compras no centro de São Paulo. Saíamos cedo de casa, eu e minha mãe, e íamos para a região da Praça Patriarca, Barão de Itapetininga, entre outros lugares fazer compras em lojas como Mappin, Mesbla, Arapuã, G. Aronso, etc.
Lembro que a Mesbla era das mais caras e era ali que minha mãe gostava de comprar roupas e roupas de cama. O Mappin era mais popular, mas os preços dos brinquedos eram tentadores. Quando o assunto era sapatos, nada melhor do que entrar na Tip Top ou na Júnior, ali na região da República, para comprar os meus sapatos ou na Jean Daniel - com sua fachada em neon -, mais próxima do Anhangabaú, para os sapatos de adultos. A Arapuã era onde costumávamos comprar os então famosos "3 em 1", mas meu avô preferia comprar eletrônicos e eletrodomésticos na G.Aronson e aproveitar para bater um papo com o Sr. Aronson, amigo dele.
Não tão perto do centro, mas na região da Paulista, tínhamos a Sears. Sim, era uma espécie de Zara da época. As compras de Natal eram feitas ali. Mais cara, com incríveis caixas de presentes, a Sears ocupava o local onde hoje é o Shopping Paulista. Costumávamos ir de carro até lá e até hoje o cheio de pipoca que exalava na porta da loja vem à minha cabeça.
Aliás, por falar em pipoca, é impossível pensar nas compras no centro, sem lembrar dos lanches no Jack-in-the box. Até hoje, tenho um copo de vidro que ganhei de lá. Na época, eram poucos McDonald's na cidade e no centro tínhamos apenas o Jack-in-the-Box e o delicioso Dunkin' Donuts.
Era esse o nosso roteiro: andar na rua, fazendo compras até meia-noite, sem medo de sermos assaltadas, sequestradas, terminando nosso dia comendo tranqueiras americanas. Um tempo em que não tínhamos medo de andar na rua, nem de ficar em casa, um tempo seguro.