Aprendi com alguém que estética é uma relação que estabelecemos com o mundo por meio da qual adquirimos conhecimentos pelos sentidos. Assim, ao me relacionar com o mundo sensível, descubro do que são feitas as coisas – e pessoas – e do que eu sou feita (pelo prazer ou pela dor, pelo bem ou pelo mal, pelo feio ou pelo belo…). Mas será que isso quer dizer que, como dizem, beleza é fundamental?
Como isso pode ser apenas uma filosofia de botequim e é sempre legal ter bons parceiros à mesa do bar para conversar, recorro ao bom e velho Platão, porque com ele sempre rola um banquete no final…
Platão foi um nobre ateniense seguidor de Sócrates. Sócrates – só pra contextualizar -, um pedreiro (isso mesmo!) que começou a falar em público, questionando, principalmente, o preconceito e talvez seja dessa experiência nada erudita que tenha nascido a filosofia clássica ocidental.
Mas é melhor voltar a Platão pra não perder o foco! Na realidade, ao redor de sua casa de campo, havia um jardim que muitos acreditavam ter sido de um herói da guerra de Troia chamado Academos. Como as pessoas costumavam frequentar esse lugar para “malhar”, ele passou a se chamar “academia” Ali, Platão e outros que costumavam ir pra lá, pois acreditavam que o cuidado com o corpo era indissociável do cuidado com a alma (já disse Spinoza, “A alma é a ideia do corpo”), fundam a Escola de Filosofia Socrática.
A principal herança deixada por Platão, que também era um excelente escritor, é, sem dúvida, seus diálogos, textos que implicam a troca de ideias e são de fácil compreensão, atingindo a todas as pessoas. Neles, questionava não só seus preconceitos, como os preconceitos das outras pessoas.
Acontece que esses diálogos não chegavam à conclusão alguma, apenas questionavam apresentando diversos pontos de vista (é o velho “só sei que nada sei”, apesar de eu achar que, às vezes, saber apenas isso já é saber mais do que o suficiente), e, por isso, chego ao Banquete.
O “Banquete” trata de uma festa em que se fala sobre o belo e trocam-se experiências sobre o amor. Assim, tentando definir o que é o amor, utiliza diversos mitos para tematizá-lo, elevando o amor pela beleza.
Bom, tudo isso pra dizer que o que ficou na minha cabeça de Platão e do Banquete quando li foi uma pergunta: “Quem arde de amor tem sede de beleza?”
Fiquei pensando nisso e outras perguntas apareceram: O que é beleza? Será possível defini-la de forma objetiva? E o amor? Será apenas um sentimento que surge entre as pessoas independente de qualquer outra coisa, inclusive da beleza?
Muito já foi dito sobre o amor: que ele é a procura de algo que nos complete, é “a maior felicidade do mundo”, ou ainda, de forma poética, “amor é bicho instruído”, “é como se as nuvens do horizonte estivessem sob meus pés”, entre outras definições. Pois é, o amor é isto mesmo, um sentimento que surge entre “uma coisa que ama” e uma “coisa amada” – que pode ser um objeto, uma ação, uma pessoa -, um desejo por algo que não se tem, mas se deseja ter para que se alcance a completude.
Mas, e a beleza onde fica? A beleza, por sua vez, poderia ser definida como algo que agrada a todos (ou não), algo bom de se ver e sentir. Ao amar, de certa forma, nosso lado racional dá lugar ao emocional e, assim, nosso conceito de beleza se torna diferente – ao invés de julgarmos como belo ou feio, simplesmente fazemos com que o feio deixe de existir, enxergando apenas o que é belo – o feio continua existindo, porém não emitimos qualquer juízo de valor acerca dele e, aos olhos de quem ama, passa a existir apenas o belo, independente da existência real da beleza. Assim, o amante não tem sede de beleza, pois a beleza é algo que ele já possui de forma completa, já encontrou ao encontrar o amor.
Por outro lado, já dizia o poeta Vinicius de Moraes, em “Receita de mulher”: "As muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental". A atração pelo que é belo (aos nossos olhos) é o que primeiro nos impulsiona em direção ao outro, ainda que o fato de a coisa amada te completar, ou não, seja definido posteriormente. O ser humano, na busca por sua completude, sua “cara-metade”, busca, na verdade, algo em que se reconheça, se assemelhe, mesmo que essa semelhança não esteja no físico. Repare como alguém sempre diz: “OK, ele não é bonito, mas é tão inteligente, tão bonzinho,…” – isso mostra que o belo não é aquilo que agrada a todo, mas é um momento em que uma pessoa sente prazer, mas um prazer particular, que reside no outro.
A busca pela beleza é a busca por algo que preencha um vazio, deixado por algo que não se tem, um vazio que só poderá ser preenchido por algo possuído pelo outro. Por isso, quem arde de amor tem sede de beleza sim, pois tem sede de algo que o complete, ainda que a beleza, o que irá tornar o indivíduo completo, sejam palavras, atos, sentimentos…
Será que o que move o amor é a eterna busca pela completude mesmo? Não há como afirmar com total certeza, mas pode-se dizer que essa busca pela completude é o que dá “sabor” ao amor, porque faz com que sempre estejamos buscando algo novo no outro. E sim, esta busca está intimamente ligada à sede de beleza (ainda que seja difícil afirmar isso), pois uma vez que sempre queremos que o outro seja realmente a “tampa da minha panela”, essa minha “tampa” se torna essencialmente bela, ainda que a beleza esteja nos olhos de quem vê, nos meus olhos.
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