quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Kandinsky e a lingüística



Quando fiz história da arte na FAAP, um dos artistas que mais me chamaram atenção e que me deram vontade de pesquisar foi Wassily Kandinsky.

Nascido em Moscou, em 1866, o artista foi o fundador do Blaue Reiter e inspirou-se na cultura oriental para recusar o racionalismo e o Cubismo, baseando-se numa estética voltada para o signo e para a força simbólica do espírito.

Em 1910, pintou sua primeira Aquarela abstrata e, a partir de então, ingressa numa fase em que sua arte se inspira na música. De 1912 a 1914, participou do Blaue Reiter, grupo de artistas do Expressionismo alemão, de Munique, cujo objetivo era a expressão da visão pessoal do artista por meio de qualquer forma que julgasse apropriada.

Kandisnky era um místico, contra os valores do progresso e da ciência e buscava a reconstrução do mundo por meio de uma nova arte, a arte abstrata. Para ele, a forma geométrica é pré-padronizada e estamos familiarizados a ela, assim, pode ser utilizada independente de seu significado conceitual originário. Desse modo, de acordo com as circunstâncias, uma mesma forma geométrica adquire diferentes significados.

Em Do espiritual na arte, o artista afirma que “Um triângulo dividido em partes desiguais, a menor e a mais aguda no ápice, representa esquemática, mas suficientemente bem a vida espiritual.”, desse modo, ao colocar lado a lado na Composição VIII (figura acima) triângulos e círculos, o artista cria tensões diferentes, pois provocando tensões e movimentos ilusórios e imprecisos. A soma destas tensões desejadas e ordenadas cria o que o artista chama de Composição, cuja finalidade é a expressão de uma sonoridade total.

Esta Composição apresenta também elementos de formas abstratas, o ponto e a linha. O ponto é considerado a menor forma, o vínculo entre o silêncio e o verbo. Segundo Kandinsky, as linhas horizontais teriam como resultado de um movimento a calma fria e as linhas verticais, calma quente. As linhas diagonais, que são inúmeras nesta composição, estão relacionadas à linha horizontal e à vertical, reunindo as duas calmas, as tensões das duas linhas. As linhas horizontais teriam ainda ligação ao terrestre, ao mundo uniforme, devido a sua característica de nivelamento, enquanto a linha vertical estaria ligada ao divino, unidade divina. O encontro das duas (o ângulo reto dos triângulos) seria então o encontro do divino com o terrestre sem se interpenetrarem.

Para Kandinsky, “a cor é percebida opticamente, vivida psiquicamente”. Assim, o olho sente a cor e é fascinado por sua beleza.

É interessante observar neste quadro, como o azul, que representa o obscuro, aparece inúmeras vezes próximo ao amarelo, seja contornando o círculo ou preenchendo o círculo contornado de amarelo, criando uma relação associada ao dia e à noite, assim o que teria tendência a se afastar, acaba se aproximando.

Para que seja feita uma composição realmente harmônica é necessário que se tenha não só uma cor, mas um tom determinado da cor e principalmente uma forma, uma superfície delimitada em relação às outras cores. As cores intensificam e reforçam o movimento das formas e vice-versa.

As formas aparecem nesta composição desordenadas, sem lógica, sem significado, mas, por outro lado, os significantes apresentados são cheios de sentido. O que o artista pretende é que se tome consciência da realidade e do fenômeno. A obra, apesar de parecer apenas um geometrismo sem sentido e incompreensível provoca estímulos no observador, transmitindo não mais formas e cores, mas força e movimento.

Com o seu geometrismo, Kandinsky pretende estabelecer a fenomenologia do existente numa morfologia clara, buscando um conhecimento superior. Argan afirma que “A problemática de Kandinsky se torna cada vez mais especificamente lingüística; a cada vez que se tem algo a dizer, não se cria uma linguagem do nada, mas a estrutura da linguagem se transforma continuamente porque as velhas palavras, agora inexpressivas, são captadas no fluxo da existência. Triângulos, círculos, retas, curvas e espirais são 'imagens conceituais', que se reconvertem em fenômenos na medida em que são mostradas naquele tamanho, naquela cor, naquele ponto do quadro, naquela relação com os outros signos. Assim, uma linguagem geral ou comum, social, volta a ser individual e específica.”

Para Kandinsky, “a verdadeira obra de arte nasce do 'artista'”, nasce da necessidade do artista de colocar pra fora o que vai dentro dele. Na verdade, o tema é superado e submetido à composição, se cala, dando lugar à força da cor e à expressão do significado interior do artista.

Forma e cor não tem sentido, mas o que faz sentido na obra de arte é a expressão do interior do artista.


Um comentário:

@amaurit disse...

Não faz muito tempo que eu tinha meu pé atrás com relação à arte abstrata, mas lendo sobre passei a concordar inclusive com o q vc escreveu aqui " obra de arte nasce da necessidade do artista de colocar pra fora o que vai dentro dele". É preciso sensibilidade para apreciar.

Belo conteúdo, obrigado.