quarta-feira, 19 de dezembro de 2012
Foram tempos de amizade e amor intensos. No início, os dois completamente disponíveis - corações, braços, emoções, sempre abertos e prontos a dar e receber. Até que chega um dia (e a impressão que fica é de que o dia sempre chega), em que não se reconhecem. O amor e a amizade se transformam em indisposição. E o simples fato de haver amor na amizade transforma uma vida inteira que poderia ter sido em algo que nunca foi.
sábado, 20 de outubro de 2012
Sobre Carminha e outros demônios
A novela Avenida Brasil acaba hoje e só se fala nisso.
Boa ou má, todo mundo tem uma opinião sobre a novela. Se má, normalmente, a opinião gira em torno da alienação provocada pela Globo, do fato de que novela não mostra realidade, de que é melhor desligar a televisão e ler um livro, enfim...
Por que a novela gerou tanta comoção e, acima de tudo, identificação, eu não sei, mas, tirando o lado do entretenimento, essa novela mostrou uma coisa importante sim; mostrou como famílias desestruturadas geram crianças e, consequentemente, adultos desestruturados. Carminha e Max foram vilões mesmo? Ou seriam vítimas da situação?
Acho engraçado aceitarem rappers, funkeiros, filmes como Cidade de Deus, Ônibus 174, entre outros, como "obras-primas" que mostram a realidade do povo brasileiro ou veículos de denúncia da situação social, mas não aceitarem a novela (que é o que está mais próximo do povo) como tal. Não estou defendendo novela, muito menos a Globo; a gente tem controle remoto pra isso, pra selecionar o que vai assistir e, se for na Globo, se for na novela, tá valendo.
Boa ou má, todo mundo tem uma opinião sobre a novela. Se má, normalmente, a opinião gira em torno da alienação provocada pela Globo, do fato de que novela não mostra realidade, de que é melhor desligar a televisão e ler um livro, enfim...
Por que a novela gerou tanta comoção e, acima de tudo, identificação, eu não sei, mas, tirando o lado do entretenimento, essa novela mostrou uma coisa importante sim; mostrou como famílias desestruturadas geram crianças e, consequentemente, adultos desestruturados. Carminha e Max foram vilões mesmo? Ou seriam vítimas da situação?
Acho engraçado aceitarem rappers, funkeiros, filmes como Cidade de Deus, Ônibus 174, entre outros, como "obras-primas" que mostram a realidade do povo brasileiro ou veículos de denúncia da situação social, mas não aceitarem a novela (que é o que está mais próximo do povo) como tal. Não estou defendendo novela, muito menos a Globo; a gente tem controle remoto pra isso, pra selecionar o que vai assistir e, se for na Globo, se for na novela, tá valendo.
quinta-feira, 2 de agosto de 2012
Tim Knol
Eu não tenho ideia de quem seja Tim Knol. Só sei que ele é holandês e
que é de uma música dele (When I am king) esse clipe maravilhoso.
Unindo o digital ao analógico, um cara fez uma animação com as pecinhas de madeira, que acho que foram ilustradas com pirógrafo. Ficou sensacional e a música é muito bonitinha também!!
Unindo o digital ao analógico, um cara fez uma animação com as pecinhas de madeira, que acho que foram ilustradas com pirógrafo. Ficou sensacional e a música é muito bonitinha também!!
sexta-feira, 27 de julho de 2012
Da Lama ao Caos e Homens e Caranguejos: um diálogo possível?
A metáfora do homem-caranguejo foi utilizada na obra de Josué de Castro e também na de Chico Science.
Assim, partindo da ideia de Bakhtin que todo texto traz em si uma heterogeneidade constitutiva, uma relação com o exterior que perpassa sua estrutura e está presente em qualquer discurso, pude verificar algumas relações entre a música “Da lama ao caos”, de Science, e o romance Homens e caranguejos.
Em Linguagem e ideologia, Fiorin afirma: “O homem aprende como ver o mundo pelos discursos que assimila e, na maior parte das vezes, reproduz esse discurso em sua fala” (FIORIN, 2007: 35). Essa ideia reflete, na verdade, a de que o outro sempre permeia o discurso, numa relação dialógica, e cada fala é resultado do confronto inevitável entre o eu e o outro, aqui entendido como o que está prescrito na relação (que não é necessariamente o outro com quem estou falando).
Assim, é inerente ao discurso a heterogeneidade discursiva: “O outro está presente sempre e em todo lugar” (AUTHIER-REVEZ apud DISCINI, 2004: 11). Ao falar sobre essa heterogeneidade, Bakhtin utiliza o termo “dialogismo”, conceito de diálogo que existe entre o ser humano e a cultura.
Ao falar sobre dialogismo, é importante distinguir o que é intertextualidade e interdiscursividade. Apesar dos dois fenômenos estarem relacionados à presença de diferentes vozes num mesmo discurso, isso se dá de forma diferente.
A interdiscursividade é definida por Fiorin como: “o processo em que se incorporam percursos temáticos e/ou figurativos, temas e/ou figuras de um discurso em outro” (FIORIN, 2003: 32).
Já a intertextualidade é definida pelo mesmo autor como: “o processo de incorporação de um texto em outro, seja para produzir o sentido incorporado, seja para transformá-lo” (FIORIN, 2003: 30) e pode se dar interna ou externamente. A interna ou implícita refere-se à heterogeneidade constitutiva do discurso e está relacionada à interdiscursividade. A externa ou explícita diz respeito à incorporação de um texto a outro e pode se dar de três maneiras: citação, alusão e estilização.
Passando das teorias, que quase ninguém entende, para a prática, peguei “Da lama ao caos”, de Chico Science, música que dá nome ao primeiro álbum do grupo CSNZ, e nela pude observar referências à cena urbana do Recife (“fui na feira roubar tomate e cebola”), às canções populares locais, aos caranguejos, à questão da organização social (“Que eu me organizando posso desorganizar/Que eu desorganizando posso me organizar”) e ao autor de Homens e caranguejos, Josué de Castro (“Oh, Josué, eu nunca vi tamanha desgraça”).
No trecho acima, é possível identificar a metáfora do homem-caranguejo, que vive no mangue desde pequeno (chié) e seu desejo de migrar para o Sul (“Vi um caranguejo andando pro Sul”), onde será identificado como “gabiru”. A mesma ideia de homem-caranguejo, criado pra lá e pra cá no mangue e que, finalmente, vai para o Sul em busca de algo melhor é apresentada ao longo da obra Homens e caranguejos. Isso pode ser exemplificado por um trecho do Capítulo II – De como aparecem aos olhos de João Paulo os cavaleiros da miséria com suas estranhas armaduras de barro:
Ao falar do “gabiru”, Science recupera ainda o tema da fome,
abordado por Castro. O homem gabiru pernambucano é a imagem exata do
que a pobreza nordestina produz – uma população de nanicos, de altura
média de 1,35 metros, resultado de má alimentação e casos extremos de
fome. Além disso, o autor utiliza referências a alimentos, quando fala,
por exemplo, “fui na feira roubar tomate e cebola/Ia passando uma véia
pegou a minha cenoura”, reforçando a questão da fome pelos vocábulos
utilizados, pela linguagem. No prefácio do romance, intitulado “Prefácio
um tanto gordo para um romance um tanto magro”, pode-se observar como a
questão da fome está intimamente ligada ao romance e a toda a obra do
autor:
A canção de Chico Science ainda retoma a fala do Velho Faceta conhecido por seu pastoril profano, que tem como tema principal o sexo, num folguedo repleto de malícia e sentidos distorcidos. Assim, por meio da citação, repete a idéia de malícia presente no pastoril em trecho de duplo sentido e caráter erótico: “Ia passando uma véia pegou a minha cenoura/Aí, minha véia, deixa a cenoura aqui”. Isso se dá também pela alusão, ao incorporar ao texto termos como “balaio”, “véia” e “cenoura”.
Mas os folguedos típicos do Recife não estão presentes somente pela inclusão de palavras coloquiais, populares, como “bucho”, “véia”, “balaio”, mas a própria batida da música, após os cinco primeiros versos – estes fortemente marcados pelas guitarras distorcidas, traz à tona o ritmo dos maracatus, com suas alfaias, atabaques, bombos, ainda que acompanhados por um vocal mais ligado ao rap e por algumas batidas de funk, numa releitura pós-modernista.
*Texto escrito em 2009.
Assim, partindo da ideia de Bakhtin que todo texto traz em si uma heterogeneidade constitutiva, uma relação com o exterior que perpassa sua estrutura e está presente em qualquer discurso, pude verificar algumas relações entre a música “Da lama ao caos”, de Science, e o romance Homens e caranguejos.
Em Linguagem e ideologia, Fiorin afirma: “O homem aprende como ver o mundo pelos discursos que assimila e, na maior parte das vezes, reproduz esse discurso em sua fala” (FIORIN, 2007: 35). Essa ideia reflete, na verdade, a de que o outro sempre permeia o discurso, numa relação dialógica, e cada fala é resultado do confronto inevitável entre o eu e o outro, aqui entendido como o que está prescrito na relação (que não é necessariamente o outro com quem estou falando).
Assim, é inerente ao discurso a heterogeneidade discursiva: “O outro está presente sempre e em todo lugar” (AUTHIER-REVEZ apud DISCINI, 2004: 11). Ao falar sobre essa heterogeneidade, Bakhtin utiliza o termo “dialogismo”, conceito de diálogo que existe entre o ser humano e a cultura.
Ao falar sobre dialogismo, é importante distinguir o que é intertextualidade e interdiscursividade. Apesar dos dois fenômenos estarem relacionados à presença de diferentes vozes num mesmo discurso, isso se dá de forma diferente.
A interdiscursividade é definida por Fiorin como: “o processo em que se incorporam percursos temáticos e/ou figurativos, temas e/ou figuras de um discurso em outro” (FIORIN, 2003: 32).
Já a intertextualidade é definida pelo mesmo autor como: “o processo de incorporação de um texto em outro, seja para produzir o sentido incorporado, seja para transformá-lo” (FIORIN, 2003: 30) e pode se dar interna ou externamente. A interna ou implícita refere-se à heterogeneidade constitutiva do discurso e está relacionada à interdiscursividade. A externa ou explícita diz respeito à incorporação de um texto a outro e pode se dar de três maneiras: citação, alusão e estilização.
Passando das teorias, que quase ninguém entende, para a prática, peguei “Da lama ao caos”, de Chico Science, música que dá nome ao primeiro álbum do grupo CSNZ, e nela pude observar referências à cena urbana do Recife (“fui na feira roubar tomate e cebola”), às canções populares locais, aos caranguejos, à questão da organização social (“Que eu me organizando posso desorganizar/Que eu desorganizando posso me organizar”) e ao autor de Homens e caranguejos, Josué de Castro (“Oh, Josué, eu nunca vi tamanha desgraça”).
A interdiscursividade (ou intertextualidade
implícita) refere-se às relações dialógicas presentes no texto e, nesse
sentido, ao analisarmos a canção percebemos que isso se dá por meio da
citação, já que repete ideias, percursos temáticos e figurativos, por
exemplo:
O sol queimou, queimou a lama do rio
Eu vi um chié andando devagar
Vi um aratu pra lá e pra cá
Vi um caranguejo andando pro Sul
Saiu do mangue, virou gabiru
No trecho acima, é possível identificar a metáfora do homem-caranguejo, que vive no mangue desde pequeno (chié) e seu desejo de migrar para o Sul (“Vi um caranguejo andando pro Sul”), onde será identificado como “gabiru”. A mesma ideia de homem-caranguejo, criado pra lá e pra cá no mangue e que, finalmente, vai para o Sul em busca de algo melhor é apresentada ao longo da obra Homens e caranguejos. Isso pode ser exemplificado por um trecho do Capítulo II – De como aparecem aos olhos de João Paulo os cavaleiros da miséria com suas estranhas armaduras de barro:
(…) O que agora sente é um cheiro frio de lama podre, de terra morta em decomposição. Cheiro de carniça da terra que deve excitar o olfato e o apetite dos urubus e dos cachorros famintos, mas que deixa João Paulo entorpecido, quase nauseado. Reagindo à depressão, se acende na alma infantil de João Paulo um grande desejo de libertação. De evasão daquela paisagem humana parada e monótona. Desejo imperioso de sair de tudo. De sair de dentro de si mesmo. De sair do círculo fechado da família. Do ciclo do caranguejo. Da cidade do Recife. Um desejo desesperado de arrebentar com todas as amarras que o ligam à lama pegajosa do vale do Capibaribe e às folhas viscosas do mangue. (CASTRO, 2007: 41 e 42)
O artista recupera termos locais para
designar esses homens-caranguejos presentes na obra de Castro, como o
“chié”, caranguejo pequeno, mas que no contexto popular, toma novo
significado, o de menino pobre, de rua; “aratu”, uma espécie de
caranguejo com grande habilidade para subir em árvores do mangue; e
“gabiru”, um tipo de rato, mas que, na canção, é recontextualizado
adquirindo o significado de mendigo. São todas figuras, que assim como
João Paulo está pensando, vão deixando o mangue.
(…) Foi assim que eu vi e senti formigar dentro de mim a terrível descoberta da fome. Da fome de uma população inteira escravizada à angústia de encontrar o que comer. Vi os caranguejos espumando de fome à beira da água, à espera que a correnteza lhes trouxesse um pouco de comida, um peixe morto, uma casca de fruta, um pedaço de bosta que eles arrastariam para o seco matando a sua fome. E vi, também os homens sentados na balaustrada do velho cais a murmurarem monossílabos, com um talo de capim enfiado na boca, chupando o suco verde do capim e deixando escorrer pelo canto da boca uma saliva esverdeada que me parecia ter a mesma origem da espuma dos caranguejos: era a baba da fome. Pouco a pouco, por sua obsessiva presença, este vago desenho da fome foi ganhando relevo, foi tomando forma e sentido em meu espírito. Fui compreendendo que toda a vida dessa gente girava em sempre em torno de uma só obsessão – a angústia da fome. Sua própria linguagem era uma linguagem que quase não fazia alusão a outra coisa. A sua gíria era sempre carregada de palavras evocando comidas. As comidas que desejavam com desenfreado apetite. A propósito de tudo se dizia: é uma sopa, é uma canja, é um tomate, é uma ova, é um abacaxi, é uma batata, é pão-pão, é queijo-queijo. Era como se esta gíria fosse uma espécie de compensação mental de um povo sempre faminto. De um povo inteiro de barriga vazia, mas com a cabeça cheia de comidas imaginárias. (CASTRO, 2007: 17)
É possível ainda identificar uma relação
interdiscursiva por meio da alusão. No verso “Oh, Josué, eu nunca vi
tamanha desgraça/Quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça”,
incorporam-se temas como a ameaça dos urubus e dos cachorros famintos,
além da figura do “urubu” (“Cheiro de carniça da terra que deve excitar
o olfato e o apetite dos urubus e dos cachorros famintos”).
A mesma relação está presente no Capítulo X –
De como as águas cresceram por sobre o ventre da terra, em que o autor
utiliza a imagem do “urubu” pra falar sobre a questão da fome,
mostrando que o urubu está sempre à espreita para o que vier, numa luta
constante por sobrevivência, tanto por parte dos homens, quanto dos
caranguejos, como dos urubus:
Desce também muito bicho morto: carneiro, cachorro e cabra. E até vacas com o bucho enorme, distendido pelos gases, as cabeças submersas, parecendo mais baleias do que mesmo vacas. Os urubus montados nas carcaças, viajando água abaixo agarrados na sua carniça. Passa, de vez em quando, uma galinha morta, que os tripulantes das barcaças e das jangadas procuram agarrar para se garantirem de alguma comida nos dias difíceis que os esperam. (CASTRO, 2007: 147 e 148)
Recupera-se também neste trecho da canção
toda a obra de Josué de Castro – lida por Science e que serviu de base
para a formação do movimento manguebeat – e todas as suas idéias, como
se o geógrafo fosse uma espécie de salvação para a situação, por meio do
chamamento “Oh, Josué”.
A letra inteira remete à miséria do mangue e à necessidade de se
alterar essa situação, seja pela organização ou pela desorganização
(“Que eu me organizando posso desorganizar/Que eu desorganizando posso
me organizar”).A canção de Chico Science ainda retoma a fala do Velho Faceta conhecido por seu pastoril profano, que tem como tema principal o sexo, num folguedo repleto de malícia e sentidos distorcidos. Assim, por meio da citação, repete a idéia de malícia presente no pastoril em trecho de duplo sentido e caráter erótico: “Ia passando uma véia pegou a minha cenoura/Aí, minha véia, deixa a cenoura aqui”. Isso se dá também pela alusão, ao incorporar ao texto termos como “balaio”, “véia” e “cenoura”.
Mas os folguedos típicos do Recife não estão presentes somente pela inclusão de palavras coloquiais, populares, como “bucho”, “véia”, “balaio”, mas a própria batida da música, após os cinco primeiros versos – estes fortemente marcados pelas guitarras distorcidas, traz à tona o ritmo dos maracatus, com suas alfaias, atabaques, bombos, ainda que acompanhados por um vocal mais ligado ao rap e por algumas batidas de funk, numa releitura pós-modernista.
No que diz respeito à intertextualidade
explícita, o que ocorre no trabalho de Science é uma absorção do texto
de Josué de Castro por citação, confirmando o sentido do texto do
médico. Por exemplo, ao escrever: “Que eu me organizando posso
desorganizar/Que eu desorganizando posso me organizar/ Da lama ao
caos/Do caos à lama/Um homem roubado nunca se engana”, Science retoma o
fato de esses homens-caranguejos, como no romance, irem da lama ao
caos e do caos à lama, no que Josué de Castro chama de “ciclo do
caranguejo”, ou ainda “ciclo da fome”:
São duzentos mil indivíduos, duzentos mil cidadãos feitos de carne de caranguejos. O que o organismo rejeita volta como detrito para a lama do mangue para virar caranguejo outra vez.Nesta aparente placidez do charco desenrola-se, trágico e silencioso, o ciclo do caranguejo. O ciclo da fome devorando os homens e os caranguejos, todos atolados na lama. (CASTRO, 2007: 27)
(…) É a população dos mocambos dando sinais de vida, preparando-se para viver um novo ciclo do caranguejo. (CASTRO, 2007: 27)
Mas, ainda assim, diante da suposta ajuda do governo, como no caso da
tempestade que ocorre no romance, “um homem roubado nunca se engana” e,
por isso, não aceita ajuda:
É que, com a descida das águas, a vida dos habitantes dos mangues longe de melhorar, caminhava para pior. A fome aumentava ainda mais. Passada a fase aguda da catástrofe, os poderes público logo suspendiam a ajuda que davam aos flagelados. (CASTRO, 2007: 157)
A fome foi-se alastrando impiedosamente, associando-se às doenças que proliferaram com a cheia de maneira assustadora. (CASTRO, 2007: 158)É que o habitante do mangue, principalmente o que veio de cima, desceu do sertão na seca, acossado pela fome e pela sede, é em regra um cabra de gênio difícil. (CASTRO, 2007: 160)
Não forma feitos para lamber o cu de ninguém. Não se iam alistar para votar num governo que os matava de fome. Governo aliado dos grandes proprietários que os havia expulsado das suas terras sem piedade. (CASTRO, 2007: 160)
Preferiam continuar morrendo de fome a vender a sua dignidade por um dez-mil-réis-de-mel-coado. (CASTRO, 2007: 160)
Entretanto, poderíamos afirmar que as vozes presentes nos dois textos
dialogam por meio de um ponto de vista diverso, numa relação polêmica,
uma vez que, na canção, o eu-lírico afirma poder sair do local (“Posso
sair daqui pra me organizar”) – um destes homens-caranguejos chega ,
inclusive, a ir para o Sul -, porém, no romance de Josué de Castro,
ocorre que, ainda que o menino João Paulo tente encontrar uma forma de
escapar de seu destino:
(…) João Paulo sentiu uma confusão na cabeça e um formigamento no corpo. Disparou na carreira. Corria em ziguezague como correm os caranguejos, procurando descobrir de onde vinha mesmo o barulho da tempestade. (CASTRO, 2007: 179)
ele segue sua vida, seu ciclo e vira caranguejo, alimentando, com seu
corpo em decomposição, o ciclo dos caranguejos, que irá alimentar
outros homens-caranguejos:
(…) Dentre eles, enterrado nos mangues, deve estar, em qualquer parte, o corpo de João Paulo que, com a sua carne em decomposição, irá alimentar a lama que alimenta o ciclo do caranguejo. (CASTRO, 2007: 188)
*Texto escrito em 2009.
quarta-feira, 25 de julho de 2012
Oh, Josué!!!
Médico, geógrafo, cientista e professor universitário, Josué de Castro nasceu no Recife em setembro de 1908.
Em 1932, três anos após se formar em Medicina no Rio de Janeiro, tornou-se livre-docente em Fisiologia na Faculdade de Medicina do Recife graças à tese intitulada “O problema fisiológico da alimentação”, que servirá de base para toda a sua obra.
Ao assumir a função de professor catedrático de Geografia Humana na Faculdade Nacional da Universidade do Brasil, em 1940, publica A alimentação brasileira à luz da geografia humana, em que já esboça as primeiras ideias relacionadas a políticas e órgãos do Estado com o objetivo de melhorar a condição de vida e saúde da população.
Embaixador do Brasil em Genebra, em decorrência do golpe militar, tem seus direitos políticos cassados. E, exilado na França, onde foi professor da Universidade de Paris e presidiu o conselho da Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO), Castro falece aos 65 anos em 1973.
Além de ter recebido indicações para o Prêmio Nobel da Paz por duas vezes, o geógrafo publicou diversas obras, traduzidas para mais de 25 idiomas, entre elas Geografia da fome, Geopolítica da fome e o romance Homens e caranguejos.
Josué de Castro acreditava que a realidade em que vivia e sobre a qual debruçava seus estudos estava diretamente ligada a um conjunto de fatores étnicos, econômicos, históricos e naturais, que contribuíam de maneira definitiva para a análise dos problemas sociais e econômicos relacionados à questão da fome.
Ao estudar a fome, tomava-a como algo multidisciplinar, que envolvia a fisiologia, fatores físicos, morais, as condições do meio, entre outras abordagens, como se observa em trecho de sua obra A alimentação brasileira à luz da geografia humana:
(…) Para ser estabelecida uma alimentação racional fundada sobre os princípios rigorosamente científicos, alimentação que constitui a necessidade mais premente da vida e condição essencial para uma eficaz atividade produtiva de um povo, numa determinada região, são precisos, de um lado, estudos aprofundados da fisiologia da nutrição, dos caracteres físicos e morais do povo dessa região, de sua evolução demográfica, de sua capacidade e resistência orgânicas e de outro lado, estudo das condições físicas do meio, das suas condições econômicas, da organização social e dos gêneros da vida dos seus habitantes. Abarca, assim, o estudo da alimentação, capítulos de biologia, de antropologia, física e cultural, de etnogeografia, biologia, de patologia, de sociologia, de economia política e mesmo de história. (CASTRO, 1937: 22)
Na verdade, o que importa para Castro e perpassará toda sua obra é observar a fome como um fenômeno que envolve a ação do homem, do solo, do clima, da vegetação, do trabalho, não apenas um fenômeno geográfico, descritivo.
Único romance escrito por ele, Homens e caranguejos foi escrito em 1966 e publicado em 1967. Em tom aparentemente autobiográfico, a obra traz a história de João Paulo, um garoto pobre que começa a descobrir o mundo a partir da miséria e da lama do mangue. No decorrer da obra, o autor vai mostrando como as brincadeiras de infância são deixadas de lado dando lugar à dura vida do mangue, em que meninos se tornam caranguejos, enfiados na lama à procura do alimento.
É um retrato de como o fenômeno da fome se constrói e se desenvolve numa comunidade típica do Nordeste do Brasil, sem integração e que vegeta marginalizada.
Já no prefácio da obra, por meio do título “Prefácio um tanto gordo para um romance um tanto magro”, o autor anuncia que tratará, mais uma vez, da questão da fome, como se vê em trechos como:
Sentindo que a história que vou contar é uma história magra, seca, com pouca carne de romance, resolvi servi-la com uma introdução explicativa que engordasse um pouco o livro e pudesse, talvez, enganar a fome do leitor… (CASTRO, 2007: 9)
(…) uma copiosa introdução a este romance que tem, como personagem central, ao drama da fome.” (CASTRO, 2007: 9)
É neste texto inicial que Castro estabelece o cenário em que se passará a história: “Nas terras pobres e famintas do Nordeste brasileiro, onde nasci…” (CASTRO, 2007: 9).
Ainda no prefácio, o autor relata que o livro traz uma história vivida por ele em seus anos de infância, a história da descoberta da fome, nos alagados da cidade do Recife, onde conviveu com a miséria, nos mangues do Capibaribe.
Estabelece também a relação homem/caranguejos, metáfora maior que é explorada ao longo do livro:
Esta é que foi a minha Sorbonne: a lama dos mangues do Recife, fervilhando de caranguejos e povoada de seres humanos feitos de carne de caranguejo, pensando e sentindo como caranguejos. Seres anfíbios – habitantes da terra e da água, meio homens e meio bichos. Alimentados na infância com caldo de caranguejo: este leite de lama. Seres humanos que se faziam assim irmãos de leite dos caranguejos. Que aprendiam a engatinhar e a andar com os caranguejos da lama e que depois de terem bebido na infância este leite de lama, de se terem enlambuzado com o caldo grosso da lama dos mangues, de se terem impregnado de seu cheiro de terra podre e de maresia, nunca mais podiam libertar desta crosta de lama que os tornava tão parecidos com os caranguejos, seus irmãos, com as suas duras carapaças também enlambuzadas de lama.
Cedo me dei conta deste estranho mimetismo: os homens se assemelhando em tudo aos caranguejos. Arrastando-se, acachapando-se como os caranguejos para poderem sobreviver. Parados como os caranguejos na beira da água ou caminhando para trás como caminham os caranguejos. (CASTRO, 2007: 10)
A grande questão da obra é a desse homem-caranguejo, que vive à margem dessa que é a quarta pior cidade do mundo, Recife, e de sua relação com a angústia da fome. O tema está presente em todos os capítulos da obra, nos assuntos abordados, na própria linguagem, na gíria, etc.
terça-feira, 24 de julho de 2012
Minha infância no centro de São Paulo
Quando eu era pequena não havia tantos shoppings em São Paulo (não que eu seja um ser pré-histórico, mas havia poucos shoppings mesmo), a cidade era razoavelmente tranquila e comprávamos roupas, móveis, utensílios domésticos, brinquedos, qualquer coisa em lojas de rua que se reuniam no centro da cidade.
Das coisas que mais marcaram a minha infância foram as tardes - que se prolongavam noite adentro - de compras no centro de São Paulo. Saíamos cedo de casa, eu e minha mãe, e íamos para a região da Praça Patriarca, Barão de Itapetininga, entre outros lugares fazer compras em lojas como Mappin, Mesbla, Arapuã, G. Aronso, etc.
Lembro que a Mesbla era das mais caras e era ali que minha mãe gostava de comprar roupas e roupas de cama. O Mappin era mais popular, mas os preços dos brinquedos eram tentadores. Quando o assunto era sapatos, nada melhor do que entrar na Tip Top ou na Júnior, ali na região da República, para comprar os meus sapatos ou na Jean Daniel - com sua fachada em neon -, mais próxima do Anhangabaú, para os sapatos de adultos. A Arapuã era onde costumávamos comprar os então famosos "3 em 1", mas meu avô preferia comprar eletrônicos e eletrodomésticos na G.Aronson e aproveitar para bater um papo com o Sr. Aronson, amigo dele.
Não tão perto do centro, mas na região da Paulista, tínhamos a Sears. Sim, era uma espécie de Zara da época. As compras de Natal eram feitas ali. Mais cara, com incríveis caixas de presentes, a Sears ocupava o local onde hoje é o Shopping Paulista. Costumávamos ir de carro até lá e até hoje o cheio de pipoca que exalava na porta da loja vem à minha cabeça.
Aliás, por falar em pipoca, é impossível pensar nas compras no centro, sem lembrar dos lanches no Jack-in-the box. Até hoje, tenho um copo de vidro que ganhei de lá. Na época, eram poucos McDonald's na cidade e no centro tínhamos apenas o Jack-in-the-Box e o delicioso Dunkin' Donuts.
Era esse o nosso roteiro: andar na rua, fazendo compras até meia-noite, sem medo de sermos assaltadas, sequestradas, terminando nosso dia comendo tranqueiras americanas. Um tempo em que não tínhamos medo de andar na rua, nem de ficar em casa, um tempo seguro.
Das coisas que mais marcaram a minha infância foram as tardes - que se prolongavam noite adentro - de compras no centro de São Paulo. Saíamos cedo de casa, eu e minha mãe, e íamos para a região da Praça Patriarca, Barão de Itapetininga, entre outros lugares fazer compras em lojas como Mappin, Mesbla, Arapuã, G. Aronso, etc.
Lembro que a Mesbla era das mais caras e era ali que minha mãe gostava de comprar roupas e roupas de cama. O Mappin era mais popular, mas os preços dos brinquedos eram tentadores. Quando o assunto era sapatos, nada melhor do que entrar na Tip Top ou na Júnior, ali na região da República, para comprar os meus sapatos ou na Jean Daniel - com sua fachada em neon -, mais próxima do Anhangabaú, para os sapatos de adultos. A Arapuã era onde costumávamos comprar os então famosos "3 em 1", mas meu avô preferia comprar eletrônicos e eletrodomésticos na G.Aronson e aproveitar para bater um papo com o Sr. Aronson, amigo dele.
Não tão perto do centro, mas na região da Paulista, tínhamos a Sears. Sim, era uma espécie de Zara da época. As compras de Natal eram feitas ali. Mais cara, com incríveis caixas de presentes, a Sears ocupava o local onde hoje é o Shopping Paulista. Costumávamos ir de carro até lá e até hoje o cheio de pipoca que exalava na porta da loja vem à minha cabeça.
Aliás, por falar em pipoca, é impossível pensar nas compras no centro, sem lembrar dos lanches no Jack-in-the box. Até hoje, tenho um copo de vidro que ganhei de lá. Na época, eram poucos McDonald's na cidade e no centro tínhamos apenas o Jack-in-the-Box e o delicioso Dunkin' Donuts.
Era esse o nosso roteiro: andar na rua, fazendo compras até meia-noite, sem medo de sermos assaltadas, sequestradas, terminando nosso dia comendo tranqueiras americanas. Um tempo em que não tínhamos medo de andar na rua, nem de ficar em casa, um tempo seguro.
sexta-feira, 4 de maio de 2012
Rios, pontes e overdrives… Impressionantes esculturas de lama! Mangue, mangue, mangue!
Foi no início dos anos 1990, em Recife, que teve início o “Manguebeat”, um dos movimentos mais importantes surgidos nas últimas décadas no Brasil, inspirado nas tradições da cultura popular local, que misturava ritmos como o maracatu, o coco, o samba, entre outros, com o rock, o rap e as batidas eletrônicas.
Chico Science, ao lado de Fred 04, da Mundo Livre S/A, foi um dos principais líderes do movimento e um dos responsáveis por trazer novamente ao Brasil - e levar ao mundo - uma estética similar à da Tropicália, da década de 1960, recuperando temas e ritmos tradicionais, aliados às produções internacionais, especialmente as da cultura norte-americana, que passavam pela dança, pelo cinema, pelos quadrinhos, pela moda, entre outras tendências.
Na verdade, Science e os outros participantes do movimento não foram os primeiros a resgatar os ritmos populares, pois isso já havia sido feito por Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga, entre outros. Porém, o trabalho dos participantes do Manguebeat foi importante por produzir um novo conceito de identidade, ligado diretamente à própria cidade de Recife, por meio de uma poesia marcada não só pelas manifestações tradicionais de Pernambuco, como também pelas vanguardas culturais, estimulando novas produções até hoje e a re-significando da tradição local.
No início da década de 1990, em função da crise econômica vivida pelo Brasil, o país passava por um período marcado pela redução dos gastos públicos, o que tornava a cultura uma questão de mercado que devia atrair investimentos privados para seu financiamento.
Em Pernambuco, a situação não era diferente do restante do país. O então secretário da Cultura do Estado, Ariano Suassuna, criador do Movimento Armorial, em 1970, cujo objetivo era proteger as manifestações populares das influências do mundo contemporâneo, direcionava sua gestão para a preservação das tradições da cultura popular pernambucana, por meio do Projeto Cultural Pernambuco-Brasil, o que não incluía a arte massificada, o movimento Mangue, que estava em formação, e a periferia do Recife.
Foi assim que, inconformado com o marasmo cultural local e diante do fato de que era possível criar e divulgar músicas, independente dos investimentos públicos ou privados, um grupo de jovens deu início ao que viria a ser a metáfora maior do mangue, que traduziria a inquietude dessas pessoas, o Manguebeat.
Articulando as manifestações culturais da periferia do Recife, que estavam à margem das políticas públicas, de amigo para amigo, numa espécie de propaganda boca-a-boca, sem dinheiro e sem estrutura, os participantes do movimento – os mangueboys - passavam por diversas dificuldades, uma vez que, por fazerem parte do circuito underground, não tinham visibilidade na mídia, fora de seus círculos de amizade. E, justamente por causa dessa falta de estrutura, falta de local para tocar, falta de instrumentos, uma característica forte do movimento punk veio à tona trazida principalmente por Fred 04, o “faça você mesmo”. Assim, há uma grande mobilização por parte dos participantes do movimento a fim de confeccionar materiais de divulgação, panfletos, estabelecer contatos com outros grupos e outras pessoas, promover shows, etc. Desenhavam-se assim os primeiros passos da cena cultural do movimento que se consolidaria por meio da banda Chico Science & Nação Zumbi (CSNZ).
Na verdade, o que acontecia era que este grupo de jovens buscava acabar com a falta de atividade cultural vivida pela região, e produzir algo novo, que reunisse não só música, mas cinema, quadrinhos, moda, dança, sem deixar de lado as tradições musicais de Pernambuco, como o maracatu, algo típico da pós-modernidade, como afirma Linda Hutcheon em Poética da pós-modernidade:
O Manguebeat (ou manguebit) teve início com o festival “Viagem ao centro do mangue”, organizado por Fred 04 e Renato L, da Mundo Livre, além de Chico Science, e, nele, bandas como a Loustal, o Lamento Negro – bloco de cultura afro nascido em Peixinhos, Olinda - e a própria Mundo Livre apresentavam a diversidade musical e a cultura popular local.
A história de Chico Science e sua relação com o mangue, porém, tem início muito antes. Francisco de Assis França, filho do funcionário público Francisco França e da dona de casa Rita Marques, foi um menino humilde, catador de caranguejos, criado à beira do Capibaribe, ouvindo o som da periferia e a trilha sonora do bairro, que incluía o soul e o funk da década de 1970. Foi ali, no bairro de Rio Doce, nas ruas, junto aos amigos, que ele, conscientemente ou não, reuniu repertório para o que seria produzido anos mais tarde no Movimento Mangue.
Na década de 1980, Science, junto com Jorge Du Peixe – seu amigo desde a adolescência, que se tornaria integrante da Nação Zumbi - , criou o coletivo Legião Hip Hop, dedicado ao movimento surgido nos anos 1970, nos Estados Unidos, desenvolvendo material relacionado, principalmente, a três dos elementos básicos do hip hop: o break, o grafite e o rap.
Contudo, foi no final dos anos 1980 que se deram os primeiros encontros entre os precursores da cena Mangue. Science, na época “Chico Vulgo”, conhece o jornalista Fred Rodrigues Montenegro, um punk que fazia samba sob o pseudônimo de Fred 04 na Mundo Livre S/A, vindo de outro extremo sócio-econômico, do bairro de Jangada, Boa Viagem, Recife. O encontro se deu por meio de um amigo em comum, José Carlos Arcoverde (Herr Doktor Mabuse), webdesigner pernambucano, que costumava reunir os amigos em sua casa para ouvir música, beber cerveja e comer caranguejada, tudo de forma muito descompromissada.
Com Doktor Mabuse, Science e Du Peixe montaram o Bom Tom Rádio, coletivo que criava protótipos de acid house – vertente do house, estilo de música eletrônica, que mais tarde seriam usados com a Nação Zumbi.
As primeiras intenções de montar uma banda por parte de Science, entretanto, tiveram início com a banda de garagem Orla Orbe, junto com Lúcio Maia e Alexandre “Dengue”, banda muito influenciada pelos elementos americanos, especialmente por artistas como LL Cool Jay e Run DMC.
Os músicos, porém, começaram a levar mesmo a sério a música com a formação da Loustal, no final dos anos 1980. Banda composta apenas por guitarra, baixo e bateria, dedicada à psicodelia dos anos 1960 – que tanto interessava a Science – e ao ska, ritmo jamaicano que mistura elementos caribenhos, jazz, etc, a Loustal já trazia em seu repertório as canções “Manguetown” e “Etnia”, que fariam parte do álbum Afrociberdelia, lançado mais tarde com a Nação Zumbi.
No início dos anos 1990, Chico Science, trabalha na EMPREL, empresa municipal de informação do Recife, e tem como colega Gilmar Bola 8, responsável pela ponte entre a Loustal e o Lamento Negro, bloco da ONG Daruê Malungo, que ensinava às crianças da periferia do Recife, mais especificamente de Peixinhos, o maracatu, a ciranda, o coco, as tradições locais.
Da união do rock da Loustal com os tambores e a percussão do Lamento Negro, que tocava maracatu e samba reggae, surgiu a Chico Science e Lamento Negro que, mais tarde, passaria a se chamar Chico Science & Nação Zumbi.
Foi em 1991 que Fred 04 redigiu um manifesto enviado à imprensa como release de uma festa, mas que, posteriormente, em 1994, estaria presente no encarte do primeiro CD de CSNZ, Da lama ao caos. É neste texto que o movimento tem seu conceito desenvolvido a partir de relações estabelecidas com o mangue e, nele, aparece, pela primeira vez, o termo “mangue” como metáfora de todo um movimento cultural que estava surgindo no Recife, cuja proposta era promover o diálogo entre as tradições da cultura popular local e a modernidade:
Ao incorporarem a tradição ao moderno, o que esstes articuladores fazem é mostrar que tudo pode ser reutilizado, recontextualizado numa espécie de reciclagem da música:
Intitulado “Caranguejos com cérebro”, o manifesto se divide em três partes, relacionando a riqueza e diversidade dos manguezais à cultura do Recife.
A primeira parte, “Mangue – O conceito”, descreve geograficamente o que é o mangue, desenhando o que essa metáfora representa para o movimento, um local onde se reúnem diversos organismos, numa troca que, por sua dinamicidade, produz diversidade e riqueza:
Em relação à “Manguetown – A cidade”, cabe dizer que Recife, local de origem do movimento, é fortemente marcada pela presença dos mangues, além de ser cortada por diversos rios e ter sido construída sobre inúmeros aterros. Aqui é traçado, de forma crítica, um perfil socioeconômico do local. Aspectos da geografia da cidade são relacionados aos processos históricos, à estagnação e às condições de vida limitadas da população local.
Terceira e última parte “Mangue – A cena” apresenta os objetivos do movimento e possíveis soluções diante da situação apresentada: “injetar um pouco de energia na lama e estimular o que ainda resta de fertilidade nas veias do Recife”.
Estava, definitivamente, fincada na lama a parabólica que captaria e difundiria o som da banda. O primeiro CD da banda CSNZ, Da lama ao caos, seria lançado em 1994 e, depois de viajar pelo Brasil e o mundo com a Mundo Livre S/A na Manguetour e conquistar o respeito da crítica e do público, a banda lançaria, em 1996, Afrociberdelia.
Com a morte de Chico Science, em 1997, apesar de a Nação Zumbi ter passado um período sem gravar CD algum e muitos questionarem se a banda continuaria, o grupo, assim como os outros envolvidos na cena, não parou. Se, hoje, a Nação Zumbi pode cantar canções como “Meu maracatu pesa uma tonelada”, a Mundo Livre S/A pôde comemorar 15 anos e novas bandas surgem trazendo características muito próximas às das bandas de Recife dos anos 1990 é porque graças a artistas como Chico Science - que transformaram e continuam transformando a cultura jovem nordestina, levando-a ao mundo -, a energia injetada na lama continua a estimular o que “resta de fertilidade nas veias do Recife” e o satélite fincado na lama continua a dissipar o que é produzido dela.
Para ler o Manifesto completo: www.mundolivresa.com
Chico Science, ao lado de Fred 04, da Mundo Livre S/A, foi um dos principais líderes do movimento e um dos responsáveis por trazer novamente ao Brasil - e levar ao mundo - uma estética similar à da Tropicália, da década de 1960, recuperando temas e ritmos tradicionais, aliados às produções internacionais, especialmente as da cultura norte-americana, que passavam pela dança, pelo cinema, pelos quadrinhos, pela moda, entre outras tendências.
Na verdade, Science e os outros participantes do movimento não foram os primeiros a resgatar os ritmos populares, pois isso já havia sido feito por Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga, entre outros. Porém, o trabalho dos participantes do Manguebeat foi importante por produzir um novo conceito de identidade, ligado diretamente à própria cidade de Recife, por meio de uma poesia marcada não só pelas manifestações tradicionais de Pernambuco, como também pelas vanguardas culturais, estimulando novas produções até hoje e a re-significando da tradição local.
No início da década de 1990, em função da crise econômica vivida pelo Brasil, o país passava por um período marcado pela redução dos gastos públicos, o que tornava a cultura uma questão de mercado que devia atrair investimentos privados para seu financiamento.
Em Pernambuco, a situação não era diferente do restante do país. O então secretário da Cultura do Estado, Ariano Suassuna, criador do Movimento Armorial, em 1970, cujo objetivo era proteger as manifestações populares das influências do mundo contemporâneo, direcionava sua gestão para a preservação das tradições da cultura popular pernambucana, por meio do Projeto Cultural Pernambuco-Brasil, o que não incluía a arte massificada, o movimento Mangue, que estava em formação, e a periferia do Recife.
Foi assim que, inconformado com o marasmo cultural local e diante do fato de que era possível criar e divulgar músicas, independente dos investimentos públicos ou privados, um grupo de jovens deu início ao que viria a ser a metáfora maior do mangue, que traduziria a inquietude dessas pessoas, o Manguebeat.
Articulando as manifestações culturais da periferia do Recife, que estavam à margem das políticas públicas, de amigo para amigo, numa espécie de propaganda boca-a-boca, sem dinheiro e sem estrutura, os participantes do movimento – os mangueboys - passavam por diversas dificuldades, uma vez que, por fazerem parte do circuito underground, não tinham visibilidade na mídia, fora de seus círculos de amizade. E, justamente por causa dessa falta de estrutura, falta de local para tocar, falta de instrumentos, uma característica forte do movimento punk veio à tona trazida principalmente por Fred 04, o “faça você mesmo”. Assim, há uma grande mobilização por parte dos participantes do movimento a fim de confeccionar materiais de divulgação, panfletos, estabelecer contatos com outros grupos e outras pessoas, promover shows, etc. Desenhavam-se assim os primeiros passos da cena cultural do movimento que se consolidaria por meio da banda Chico Science & Nação Zumbi (CSNZ).
Na verdade, o que acontecia era que este grupo de jovens buscava acabar com a falta de atividade cultural vivida pela região, e produzir algo novo, que reunisse não só música, mas cinema, quadrinhos, moda, dança, sem deixar de lado as tradições musicais de Pernambuco, como o maracatu, algo típico da pós-modernidade, como afirma Linda Hutcheon em Poética da pós-modernidade:
“Não é um retorno nostálgico; é uma reavaliação crítica, um diálogo irônico com o passado da arte e da sociedade” (HUTCHEON, 1991: 20).
O Manguebeat (ou manguebit) teve início com o festival “Viagem ao centro do mangue”, organizado por Fred 04 e Renato L, da Mundo Livre, além de Chico Science, e, nele, bandas como a Loustal, o Lamento Negro – bloco de cultura afro nascido em Peixinhos, Olinda - e a própria Mundo Livre apresentavam a diversidade musical e a cultura popular local.
A história de Chico Science e sua relação com o mangue, porém, tem início muito antes. Francisco de Assis França, filho do funcionário público Francisco França e da dona de casa Rita Marques, foi um menino humilde, catador de caranguejos, criado à beira do Capibaribe, ouvindo o som da periferia e a trilha sonora do bairro, que incluía o soul e o funk da década de 1970. Foi ali, no bairro de Rio Doce, nas ruas, junto aos amigos, que ele, conscientemente ou não, reuniu repertório para o que seria produzido anos mais tarde no Movimento Mangue.
Na década de 1980, Science, junto com Jorge Du Peixe – seu amigo desde a adolescência, que se tornaria integrante da Nação Zumbi - , criou o coletivo Legião Hip Hop, dedicado ao movimento surgido nos anos 1970, nos Estados Unidos, desenvolvendo material relacionado, principalmente, a três dos elementos básicos do hip hop: o break, o grafite e o rap.
Contudo, foi no final dos anos 1980 que se deram os primeiros encontros entre os precursores da cena Mangue. Science, na época “Chico Vulgo”, conhece o jornalista Fred Rodrigues Montenegro, um punk que fazia samba sob o pseudônimo de Fred 04 na Mundo Livre S/A, vindo de outro extremo sócio-econômico, do bairro de Jangada, Boa Viagem, Recife. O encontro se deu por meio de um amigo em comum, José Carlos Arcoverde (Herr Doktor Mabuse), webdesigner pernambucano, que costumava reunir os amigos em sua casa para ouvir música, beber cerveja e comer caranguejada, tudo de forma muito descompromissada.
Com Doktor Mabuse, Science e Du Peixe montaram o Bom Tom Rádio, coletivo que criava protótipos de acid house – vertente do house, estilo de música eletrônica, que mais tarde seriam usados com a Nação Zumbi.
As primeiras intenções de montar uma banda por parte de Science, entretanto, tiveram início com a banda de garagem Orla Orbe, junto com Lúcio Maia e Alexandre “Dengue”, banda muito influenciada pelos elementos americanos, especialmente por artistas como LL Cool Jay e Run DMC.
Os músicos, porém, começaram a levar mesmo a sério a música com a formação da Loustal, no final dos anos 1980. Banda composta apenas por guitarra, baixo e bateria, dedicada à psicodelia dos anos 1960 – que tanto interessava a Science – e ao ska, ritmo jamaicano que mistura elementos caribenhos, jazz, etc, a Loustal já trazia em seu repertório as canções “Manguetown” e “Etnia”, que fariam parte do álbum Afrociberdelia, lançado mais tarde com a Nação Zumbi.
No início dos anos 1990, Chico Science, trabalha na EMPREL, empresa municipal de informação do Recife, e tem como colega Gilmar Bola 8, responsável pela ponte entre a Loustal e o Lamento Negro, bloco da ONG Daruê Malungo, que ensinava às crianças da periferia do Recife, mais especificamente de Peixinhos, o maracatu, a ciranda, o coco, as tradições locais.
Da união do rock da Loustal com os tambores e a percussão do Lamento Negro, que tocava maracatu e samba reggae, surgiu a Chico Science e Lamento Negro que, mais tarde, passaria a se chamar Chico Science & Nação Zumbi.
Foi em 1991 que Fred 04 redigiu um manifesto enviado à imprensa como release de uma festa, mas que, posteriormente, em 1994, estaria presente no encarte do primeiro CD de CSNZ, Da lama ao caos. É neste texto que o movimento tem seu conceito desenvolvido a partir de relações estabelecidas com o mangue e, nele, aparece, pela primeira vez, o termo “mangue” como metáfora de todo um movimento cultural que estava surgindo no Recife, cuja proposta era promover o diálogo entre as tradições da cultura popular local e a modernidade:
“engendrar um ‘circuito energético’, indicar a fonte capaz de conectar as boas vibrações dos mangues com a rede mundial de circulação de conceitos pop. Imagem símbolo: uma antena parabólica enfiada na lama”.
Ao incorporarem a tradição ao moderno, o que esstes articuladores fazem é mostrar que tudo pode ser reutilizado, recontextualizado numa espécie de reciclagem da música:
“A maioria dos relatos ou celebrações do rock ou da música popular pós-modernos enfatiza dois fatores relacionados: em primeiro lugar, sua capacidade de articular identidade culturais alternativas ou plurais de grupos pertencentes à margem das culturas nacionais ou dominantes; e, em segundo (...), a celebração dos princípios da paródia, do pastiche, da multiplicidade estilística e da mobilidade genérica.” (CONNOR, 2004: 151)
Intitulado “Caranguejos com cérebro”, o manifesto se divide em três partes, relacionando a riqueza e diversidade dos manguezais à cultura do Recife.
A primeira parte, “Mangue – O conceito”, descreve geograficamente o que é o mangue, desenhando o que essa metáfora representa para o movimento, um local onde se reúnem diversos organismos, numa troca que, por sua dinamicidade, produz diversidade e riqueza:
“Estuário. Parte terminal de um rio ou lagoa. Porção de rio com água salobra. Em suas margens se encontram os manguezais, comunidades de plantas tropicais ou subtropicais inundadas pelos movimentos das marés. Pela troca de matéria orgânica entre a água doce e a água salgada, os mangues estão entre os ecossistemas mais produtivos do mundo.”
Em relação à “Manguetown – A cidade”, cabe dizer que Recife, local de origem do movimento, é fortemente marcada pela presença dos mangues, além de ser cortada por diversos rios e ter sido construída sobre inúmeros aterros. Aqui é traçado, de forma crítica, um perfil socioeconômico do local. Aspectos da geografia da cidade são relacionados aos processos históricos, à estagnação e às condições de vida limitadas da população local.
"… o desvario irresistível de uma cínica noção de “progresso”, que elevou a cidade ao posto de “metrópole” do Nordeste, não tardou a revelar sua fragilidade.Bastaram pequenas mudanças nos “ventos” da história para que os primeiros sinais de esclerose econômica se manifestassem, no início dos anos 60.
Nos últimos trinta anos, a síndrome da estagnação aliada à permanência do mito da “metrópole” só tem levado ao agravamento acelerado do quadro de miséria e caos urbano. O Recife detém hoje o maior índice de desemprego do país. Mais da metade dos seus habitantes moram em favelas e alagados. Segundo um instituto de estudos populacionais de Washington, é hoje a quarta pior cidade do mundo para se viver.”
Terceira e última parte “Mangue – A cena” apresenta os objetivos do movimento e possíveis soluções diante da situação apresentada: “injetar um pouco de energia na lama e estimular o que ainda resta de fertilidade nas veias do Recife”.
“... O que fazer para não afundar na depressão crônica que paralisa os cidadãos? Como devolver o ânimo, deslobotomizar e recarregar as baterias da cidade? Simples! Basta injetar um pouco de energia na lama e estimular o que ainda resta de fertilidade nas veias do Recife.
Em meados de 91 começou a ser gerado e articulado em vários pontos da cidade um núcleo de pesquisa e produção de idéias pop. O objetivo é engendrar um “circuito energético” capaz de conectar as boas vibrações dos mangues com a rede mundial de circulação de conceitos pop. Imagem símbolo: uma antena parabólica enfiada na lama.
Os mangueboys e manguegirls são indivíduos interessados em quadrinhos, TV interativa, anti-psiquiatria, Bezerra da Silva, Hip Hop, midiotia, artismo, música de rua, John Coltrane, acaso, sexo não virtual, conflitos étnicos e todos os avanços da química aplicada no terreno da alteração e expansão da consciência.”
Estava, definitivamente, fincada na lama a parabólica que captaria e difundiria o som da banda. O primeiro CD da banda CSNZ, Da lama ao caos, seria lançado em 1994 e, depois de viajar pelo Brasil e o mundo com a Mundo Livre S/A na Manguetour e conquistar o respeito da crítica e do público, a banda lançaria, em 1996, Afrociberdelia.
Com a morte de Chico Science, em 1997, apesar de a Nação Zumbi ter passado um período sem gravar CD algum e muitos questionarem se a banda continuaria, o grupo, assim como os outros envolvidos na cena, não parou. Se, hoje, a Nação Zumbi pode cantar canções como “Meu maracatu pesa uma tonelada”, a Mundo Livre S/A pôde comemorar 15 anos e novas bandas surgem trazendo características muito próximas às das bandas de Recife dos anos 1990 é porque graças a artistas como Chico Science - que transformaram e continuam transformando a cultura jovem nordestina, levando-a ao mundo -, a energia injetada na lama continua a estimular o que “resta de fertilidade nas veias do Recife” e o satélite fincado na lama continua a dissipar o que é produzido dela.
Para ler o Manifesto completo: www.mundolivresa.com
terça-feira, 24 de abril de 2012
Não vou me adaptar ou em que espelho ficou perdida a minha face
A velhice e o envelhecimento é um tema muito frequente em todos os
campos da arte e em diversos períodos da História. Prestando um pouco de
atenção no Arnaldo Antunes, lembrando um pouco das aulas de literatura
do colégio e, até mesmo, lembrando um pouco de algumas obras de Klimt,
percebi que dava pra fazer várias relações. Como eu nunca estou querendo
pensar muito (rs…), me recolhi a minha insignificância e resolvi pensar
um pouco (ou mesmo viajar) só sobre literatura e música. Como tudo o
que eu tava pensando precisava de alguma “coisa” teórica pra convencer
quem lê (inclusive pra me convencer), lá fui eu ao filósofo da linguagem
(ele não era lingüista, era um filósofo da linguagem!) Mikhail Bakhtin.
Uma das vertentes de suas reflexões é o dialogismo. Segundo ele, o ato da fala é sempre orientado para uma resposta, que terá sempre uma apreciação valorativa – em outras palavras, toda vez que eu falo, há uma intenção. Assim, todo discurso seria perpassado por uma formação ideológica e, diante disso, o conceito de diálogo estabelecido por ele poderia ser definido como algo que existe entre os seres humanos e a cultura.
Esse diálogo, constitutivo de qualquer fala, se dá pelo conhecimento comum da situação existente e de duas maneiras diferentes – contratual e polêmica.
Teoria explicada, pego “Retrato”, de Cecília Meireles e “Não vou me adaptar”, de Arnaldo Antunes, e tento fazer alguma coisa e sai isso.
Pra quem não sabe, a poetisa da segunda geração modernista Cecília Meireles inicia-se na literatura participando da “corrente espiritualista”, de inspiração neo-simbolista. Em determinado período, afasta-se deste grupo, porém sem abandonar as características introspectivas, de interiorização, refletindo uma atmosfera de sonho e, ao mesmo tempo, solidão.
“Retrato” traz um dos temas fundamentais da poética da autora, sua consciência de transitoriedade. O tempo é o tema principal de sua obra, constatando sempre que ele é fugaz, fugidio, e que a vida passa e a morte chega rápido.
Ao longo do texto, o eu-lírico descreve seu estado físico atual por meio da sinestesia, caracterizando-se como uma pessoa que tem o rosto calmo, triste, magro, os olhos vazios, o lábio amargo, as mãos sem força, paradas, frias e mortas.
Já pelo título, é possível perceber que esse “eu” está diante de seu retrato, comparando sua aparência atual com a de uma foto antiga: “Eu não tinha este rosto de hoje,” e “Eu não tinha estas mãos sem força,”.
Diante de sua fotografia, as mudanças físicas parecem se estender a seus sentimentos, unindo aos aspectos físicos adjetivações que parecem carregar em si desconforto em relação ao envelhecimento: “…este rosto de hoje,/ assim calmo, assim triste, assim magro”, “olhos vazios”, “lábio amargo”.
Além do rosto, partes do corpo tão necessárias à movimentação, à ação, ao fazer, como as mãos, são citadas, mostrando que, com a passagem do tempo, não são apenas aspectos ligados à aparência, às feições, que são transformados, como também há certa debilidade que, talvez, dificulte sua ação: “…estas mãos sem forças,/ tão paradas e frias e mortas”.
Na última estrofe, o eu-lírico confessa não ter percebido a mudança – característico de sua poesia, a constatação de que a vida passa rápido, é fugaz e, quando menos se espera, ela já passou: “Eu não dei por esta mudança,/ tão simples, tão certa, tão fácil:”.
Contudo, esse “eu” não se revolta contra sua condição, contra o envelhecimento, apenas constata sua aparência atual, sem se reconhecer nela, já que, ao final, questiona: “Em que espelho ficou perdida/a minha face?”.
Composta em 1985 por Arnaldo Antunes, a canção “Não vou me adaptar” também tem como tema o envelhecimento, a passagem do tempo.
Arnaldo Antunes, compositor contemporâneo nascido na década de 1960 em São Paulo, é um artista que circula por diversas vertentes, tendo participado de intervenções e outras produções poéticas, além de ter integrado também a banda Titãs, como principal vocalista e compositor.
Aqui, o eu-lírico elenca algumas alterações físicas que mostram que ele cresceu, envelheceu: “Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia”, “Eu não tenho mais a cara que eu tinha”, “Mas é que quando eu me toquei,achei tão estranho,/ A minha barba estava desse tamanho”.
Paralelamente às alterações físicas, observa transformações de sentimentos, decorrentes, muito provavelmente, desta passagem do tempo: “Eu não encho mais a casa de alegria.”, “E quem eu queria bem me esquecia.”
Além da constatação das mudanças sofridas com o passar dos anos, percebe que isso aconteceu sem que ele se desse conta: “Os anos se passaram enquanto eu dormia,”, “Mas é que quando eu me toquei, achei tão estranho”.
Diante disso, não se reconhece no espelho (“No espelho essa cara não é minha”), questiona-se a respeito de algo que tenha feito no refrão por meio de versos como “Será que eu falei o que ninguém ouvia?/Será que eu escutei o que ninguém dizia?”, e constata que não irá se acostumar ao fato de ter envelhecido (“Eu não vou me adaptar.”).
Na música, ainda é possível observar a citação do hipotexto no trecho: “Eu não tenho mais a cara que eu tinha,/ no espelho essa cara não é minha./ Mas é que quando eu me toquei, achei tão estranho,/ a minha barba estava desse tamanho”, em que se recupera trechos de “Retrato”, confirmando seu sentido: “Eu não tinha este rosto de hoje,/ assim calmo, assim triste, assim magro,/ nem estes olhos tão vazios,/ nem o lábio amargo.”, “- Em que espelho ficou perdida/ a minha face?”.
A passagem do tempo também é apresentada numa relação intertextual por meio da citação: “Os anos se passaram enquanto eu dormia” recupera o sentido de “Eu não dei por esta mudança,/ tão simples, tão certa, tão fácil.”
A própria alusão ao texto de Cecília aparece na canção pela reprodução da estrutura sintática “Eu não + verbo+objeto”, porém enquanto no hipotexto, o verbo é colocado no passado: “Eu não tinha este rosto de hoje”; “Eu não tinha estas mãos sem força”; “Eu não tinha este coração”, na canção, ele aparece no presente: “Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia”; “Eu não encho mais a casa de alegria”, “Eu não tenho mais a cara que eu tinha”.
Bakhtin afirma que dois juízos idênticos são, em essência, o mesmo juízo, porém ditos por vozes diferentes, assim afirma:
É possível ainda estabelecer uma relação com a própria biografia da autora, sua relação com o tempo e a relação vida X morte, tendo afirmado em entrevista:
Todo texto constrói um modo de presença de um sujeito no mundo. Aqui, são sujeitos fruto da instabilidade e da incerteza decorrente das alterações sofridas com a passagem dos anos. Revela-se, portanto, um sujeito cindido ou, como diz Bakhtin, um “sujeito no limiar”, que não se reconhece diante do espelho, que sofre as coerções sociais e vive no limite entre o ser e o parecer: “- Em que espelho ficou perdida a minha face?” e “No espelho essa cara não é minha.”
Uma das vertentes de suas reflexões é o dialogismo. Segundo ele, o ato da fala é sempre orientado para uma resposta, que terá sempre uma apreciação valorativa – em outras palavras, toda vez que eu falo, há uma intenção. Assim, todo discurso seria perpassado por uma formação ideológica e, diante disso, o conceito de diálogo estabelecido por ele poderia ser definido como algo que existe entre os seres humanos e a cultura.
Esse diálogo, constitutivo de qualquer fala, se dá pelo conhecimento comum da situação existente e de duas maneiras diferentes – contratual e polêmica.
Teoria explicada, pego “Retrato”, de Cecília Meireles e “Não vou me adaptar”, de Arnaldo Antunes, e tento fazer alguma coisa e sai isso.
Pra quem não sabe, a poetisa da segunda geração modernista Cecília Meireles inicia-se na literatura participando da “corrente espiritualista”, de inspiração neo-simbolista. Em determinado período, afasta-se deste grupo, porém sem abandonar as características introspectivas, de interiorização, refletindo uma atmosfera de sonho e, ao mesmo tempo, solidão.
“Retrato” traz um dos temas fundamentais da poética da autora, sua consciência de transitoriedade. O tempo é o tema principal de sua obra, constatando sempre que ele é fugaz, fugidio, e que a vida passa e a morte chega rápido.
RetratoEu não tinha este rosto de hoje,assim calmo, assim triste, assim magro,nem estes olhos tão vazios,nem o lábio amargo.Eu não tinha estas mãos sem força,tão paradas e frias e mortas;eu não tinha este coraçãoque nem se mostra.Eu não dei por esta mudança,tão simples, tão certa, tão fácil:- Em que espelho ficou perdidaa minha face?
Ao longo do texto, o eu-lírico descreve seu estado físico atual por meio da sinestesia, caracterizando-se como uma pessoa que tem o rosto calmo, triste, magro, os olhos vazios, o lábio amargo, as mãos sem força, paradas, frias e mortas.
Já pelo título, é possível perceber que esse “eu” está diante de seu retrato, comparando sua aparência atual com a de uma foto antiga: “Eu não tinha este rosto de hoje,” e “Eu não tinha estas mãos sem força,”.
Diante de sua fotografia, as mudanças físicas parecem se estender a seus sentimentos, unindo aos aspectos físicos adjetivações que parecem carregar em si desconforto em relação ao envelhecimento: “…este rosto de hoje,/ assim calmo, assim triste, assim magro”, “olhos vazios”, “lábio amargo”.
Além do rosto, partes do corpo tão necessárias à movimentação, à ação, ao fazer, como as mãos, são citadas, mostrando que, com a passagem do tempo, não são apenas aspectos ligados à aparência, às feições, que são transformados, como também há certa debilidade que, talvez, dificulte sua ação: “…estas mãos sem forças,/ tão paradas e frias e mortas”.
Na última estrofe, o eu-lírico confessa não ter percebido a mudança – característico de sua poesia, a constatação de que a vida passa rápido, é fugaz e, quando menos se espera, ela já passou: “Eu não dei por esta mudança,/ tão simples, tão certa, tão fácil:”.
Contudo, esse “eu” não se revolta contra sua condição, contra o envelhecimento, apenas constata sua aparência atual, sem se reconhecer nela, já que, ao final, questiona: “Em que espelho ficou perdida/a minha face?”.
Composta em 1985 por Arnaldo Antunes, a canção “Não vou me adaptar” também tem como tema o envelhecimento, a passagem do tempo.
Arnaldo Antunes, compositor contemporâneo nascido na década de 1960 em São Paulo, é um artista que circula por diversas vertentes, tendo participado de intervenções e outras produções poéticas, além de ter integrado também a banda Titãs, como principal vocalista e compositor.
Aqui, o eu-lírico elenca algumas alterações físicas que mostram que ele cresceu, envelheceu: “Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia”, “Eu não tenho mais a cara que eu tinha”, “Mas é que quando eu me toquei,achei tão estranho,/ A minha barba estava desse tamanho”.
Paralelamente às alterações físicas, observa transformações de sentimentos, decorrentes, muito provavelmente, desta passagem do tempo: “Eu não encho mais a casa de alegria.”, “E quem eu queria bem me esquecia.”
Além da constatação das mudanças sofridas com o passar dos anos, percebe que isso aconteceu sem que ele se desse conta: “Os anos se passaram enquanto eu dormia,”, “Mas é que quando eu me toquei, achei tão estranho”.
Diante disso, não se reconhece no espelho (“No espelho essa cara não é minha”), questiona-se a respeito de algo que tenha feito no refrão por meio de versos como “Será que eu falei o que ninguém ouvia?/Será que eu escutei o que ninguém dizia?”, e constata que não irá se acostumar ao fato de ter envelhecido (“Eu não vou me adaptar.”).
Na música, ainda é possível observar a citação do hipotexto no trecho: “Eu não tenho mais a cara que eu tinha,/ no espelho essa cara não é minha./ Mas é que quando eu me toquei, achei tão estranho,/ a minha barba estava desse tamanho”, em que se recupera trechos de “Retrato”, confirmando seu sentido: “Eu não tinha este rosto de hoje,/ assim calmo, assim triste, assim magro,/ nem estes olhos tão vazios,/ nem o lábio amargo.”, “- Em que espelho ficou perdida/ a minha face?”.
A passagem do tempo também é apresentada numa relação intertextual por meio da citação: “Os anos se passaram enquanto eu dormia” recupera o sentido de “Eu não dei por esta mudança,/ tão simples, tão certa, tão fácil.”
A própria alusão ao texto de Cecília aparece na canção pela reprodução da estrutura sintática “Eu não + verbo+objeto”, porém enquanto no hipotexto, o verbo é colocado no passado: “Eu não tinha este rosto de hoje”; “Eu não tinha estas mãos sem força”; “Eu não tinha este coração”, na canção, ele aparece no presente: “Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia”; “Eu não encho mais a casa de alegria”, “Eu não tenho mais a cara que eu tinha”.
Bakhtin afirma que dois juízos idênticos são, em essência, o mesmo juízo, porém ditos por vozes diferentes, assim afirma:
“É verdade que aqui podemos falar de relação lógica de identidade entre dois juízos. Mas se esse juízo puder expressar-se em duas enunciações de dois diferentes sujeitos, entre esses enunciados surgirão relações dialógicas.” (BAKHTIN, 2008: 159)
Lendo “Retrato” e ouvindo “Não vou me
adaptar”, dá pra perceber que há a relação dialógica sobre a qual
escreve Bakhtin, uma vez que dois eu-líricos diferentes abordam os
mesmos temas – a velhice, o envelhecimento, porém de forma diferente.
Assim, recuperando o conceito de Bakhtin de “refração do ser no signo
ideológico”, é possível afirmar que o poema e a canção recuperam vozes
do contexto em que foram produzidos, mas refratam de forma diferente.
Cecília Meireles foi uma poetisa cujas
obras foram afetadas pelo peso da ditadura, construindo assim uma
literatura em que, ainda que não fale em política, se questiona e
explora o “estar no mundo”: “- Em que espelho ficou perdida/ a minha
face?”.
É possível ainda estabelecer uma relação com a própria biografia da autora, sua relação com o tempo e a relação vida X morte, tendo afirmado em entrevista:
“Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram muitos contratempos materiais mas, ao mesmo tempo, me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a Morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno que, para outros, constituem aprendizagem dolorosa e, por vezes, cheia de violência. Em toda a vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento mesmo da minha personalidade.” (NICOLA, 1998: 193)
“Não vou me adaptar”, ao contrário de
“Retrato”, foi composta sob o fim da ditadura no Brasil, em 1985 – na
verdade, um período de transição, em que a sociedade vive certa
expectativa em relação ao que virá após anos de repressão e de
pensamentos contidos. Talvez seja decorrente disso a aparente situação
desconfortável em que se encontra o eu que fala, passando a ideia de um
sujeito sem lugar no mundo, um eu, que assim como Cecília, questiona seu
“estar no mundo”.
Por meio da análise, observamos ainda
que as vozes presentes nos textos dialogam por meio de diferentes pontos
de vista, numa relação polêmica. Enquanto, em “Retrato”, preocupa-se
apenas em constatar e relatar as mudanças decorrentes da passagem do
tempo, o eu-lírico da canção “Não vou me adaptar”, não para na
constatação nem no relato das alterações, mas questiona: “Será que eu
falei o que ninguém ouvia?/ Será que eu escutei o que ninguém dizia”,
além de afirmar que não irá se adaptar como já anuncia o título da
música.
Todo texto constrói um modo de presença de um sujeito no mundo. Aqui, são sujeitos fruto da instabilidade e da incerteza decorrente das alterações sofridas com a passagem dos anos. Revela-se, portanto, um sujeito cindido ou, como diz Bakhtin, um “sujeito no limiar”, que não se reconhece diante do espelho, que sofre as coerções sociais e vive no limite entre o ser e o parecer: “- Em que espelho ficou perdida a minha face?” e “No espelho essa cara não é minha.”
* Texto “meio” adaptado de trabalho
para matéria cursada no mestrado, portanto, dúvidas é só perguntar que
eu tento responder (mas pra que escrever isso, ninguém vai ler! rs…).
quinta-feira, 19 de abril de 2012
Dia do Índio
Como diz a Baby Consuelo, "Todo dia era dia de índio, mas agora ele só tem o dia 19 de abril". Eu diria que nem o 19 de abril eles têm mais.
Expulsos pelo contínuo processo de colonização, mais de 40 mil Guarani Kaiowá vivem hoje em menos de 1% de seu território original. Sobre suas terras encontram-se milhares de hectares de cana-de-açúcar plantados por multinacionais que, juntamente com governantes, apresentam o etanol para o mundo como o combustível “limpo” e ecologicamente correto.
Sem terra e sem floresta, os Guarani Kaiowá convivem há anos com uma epidemia de desnutrição que atinge suas crianças. Sem alternativas de subsistência, adultos e adolescentes são explorados nos canaviais em exaustivas jornadas de trabalho. Na linha de produção do combustível limpo são constantes as autuações feitas pelo Ministério Público do Trabalho que encontram nas usinas trabalho infantil e trabalho escravo.
Em meio ao delírio da febre do ouro verde (como é chamada a cana-de-açúcar), as lideranças indígenas que enfrentam o poder que se impõe muitas vezes encontram como destino a morte encomendada por fazendeiros.*
À Sombra de um Delírio Verde
Tempo: 29 min
Países: Argentina, Bélgica e Brasil
Narração: Fabiana Cozza
Direção: An Baccaert, Cristiano Navarro, Nicola Mu
thedarksideofgreen-themovie.com
*O texto não foi escrito por mim; é o release do documentário que está no Vimeo.
Na região Sul do Mato Grosso do Sul, fronteira com
Paraguai, o povo indígena com a maior população no Brasil trava, quase
silenciosamente, uma luta desigual pela reconquista de seu território.
Expulsos pelo contínuo processo de colonização, mais de 40 mil Guarani Kaiowá vivem hoje em menos de 1% de seu território original. Sobre suas terras encontram-se milhares de hectares de cana-de-açúcar plantados por multinacionais que, juntamente com governantes, apresentam o etanol para o mundo como o combustível “limpo” e ecologicamente correto.
Sem terra e sem floresta, os Guarani Kaiowá convivem há anos com uma epidemia de desnutrição que atinge suas crianças. Sem alternativas de subsistência, adultos e adolescentes são explorados nos canaviais em exaustivas jornadas de trabalho. Na linha de produção do combustível limpo são constantes as autuações feitas pelo Ministério Público do Trabalho que encontram nas usinas trabalho infantil e trabalho escravo.
Em meio ao delírio da febre do ouro verde (como é chamada a cana-de-açúcar), as lideranças indígenas que enfrentam o poder que se impõe muitas vezes encontram como destino a morte encomendada por fazendeiros.*
Tempo: 29 min
Países: Argentina, Bélgica e Brasil
Narração: Fabiana Cozza
Direção: An Baccaert, Cristiano Navarro, Nicola Mu
thedarksideofgreen-themovie.com
*O texto não foi escrito por mim; é o release do documentário que está no Vimeo.
quarta-feira, 18 de abril de 2012
Há coisas que sem explicação ficam menos complicadas
Fui almoçar num desses restaurantes da Vila Madalena em que macarrão com molho de carne vira rigatoni com ragu de carne e ervas finas. Todos os dias, o restaurante oferece uma opção de prato mais enconta do que os do cardápio chamada, óbvio, "prato do dia". Há também a opção do menu executivo, que inclui salada e sobremesa, além do prato do dia.
Ao chegar ao restaurante, descobri que o prato do dia era o tal de rigatoni com ragu de carne e ervas finas e, enquanto eu pensava se pediria o tal prato do dia - não estava com vontade de comer carne - ou se pediria alguma outra coisa gostosa do cardápio, sentaram ao meu lado cinco pessoas.
Fiz o meu pedido, sem explicação: "Vou querer o rigatoni, mas sem o ragu, só o macarrãozinho mesmo e uma coca".
Na mesa ao lado, todos discutiam se pediriam o prato do dia ou algum outro, até que um dos rapazes vira para o garçom e pergunta: "Eu sou vegetariano, não como carne. E o prato do dia vem carne. Há uma opção de prato do dia para vegetarianos?". O garçom respondeu que não, mas que no cardápio havia várias opções que poderiam ser consideradas vegetarianas, como o risoto de abobrinha, a salada XPTO, o macarrão blá, blá, blá, etc.
O rapaz-vegetariano, grosseiramente, disse: "Você não está entendendo. Eu quero o menu do dia, mas não quero carne no meu prato. Dá pra fazer sem o molho?" Ao que o garçom, educadamente, respondeu: "Não, falei com o chef, o prato é fixo e, se tirarmos o ragu,o massa vai ficar sem graça."
De repente, chega o meu prato, sem o ragu e delicioso. Depois, dizem que mulher é que complica.
Ao chegar ao restaurante, descobri que o prato do dia era o tal de rigatoni com ragu de carne e ervas finas e, enquanto eu pensava se pediria o tal prato do dia - não estava com vontade de comer carne - ou se pediria alguma outra coisa gostosa do cardápio, sentaram ao meu lado cinco pessoas.
Fiz o meu pedido, sem explicação: "Vou querer o rigatoni, mas sem o ragu, só o macarrãozinho mesmo e uma coca".
Na mesa ao lado, todos discutiam se pediriam o prato do dia ou algum outro, até que um dos rapazes vira para o garçom e pergunta: "Eu sou vegetariano, não como carne. E o prato do dia vem carne. Há uma opção de prato do dia para vegetarianos?". O garçom respondeu que não, mas que no cardápio havia várias opções que poderiam ser consideradas vegetarianas, como o risoto de abobrinha, a salada XPTO, o macarrão blá, blá, blá, etc.
O rapaz-vegetariano, grosseiramente, disse: "Você não está entendendo. Eu quero o menu do dia, mas não quero carne no meu prato. Dá pra fazer sem o molho?" Ao que o garçom, educadamente, respondeu: "Não, falei com o chef, o prato é fixo e, se tirarmos o ragu,o massa vai ficar sem graça."
De repente, chega o meu prato, sem o ragu e delicioso. Depois, dizem que mulher é que complica.
Moral da história: Seja educado e não explique muito as coisas. É preciso ter um pouco de mistério na vida.
Sobre ser eclética
Sou eclética. Posto uma música evangélica e, em seguida, um texto falando sobre Baden e o Candomblé.
terça-feira, 17 de abril de 2012
A música e o candomblé
Em 1966, junto com Vinicius de Moraes e dividindo os vocais com o Quarteto em Cy, Baden Powell gravou o álbum 'Os Afro-Sambas'.
Coletânea de canções de candomblé, capoeira ou inspiradas em temas afro-brasileiros, o álbum tem a clássica 'Canto de Ossanha', que contou com a participação de Betty Faria no coro.
Dizem que, como canções de candomblé não podem ser interpretadas à toa, Baden precisou pedir autorização aos pais de santo para poder gravar um álbum com tais músicas.
Dizem também que Vinicius de Moraes frequentava os terreiros de candomblé e, ao contrário dos outros participantes dos rituais e das cerimônias religiosas que sentavam no chão, sentava-se em um banquinho por incorporar entidades superiores (ou será porque ele era Vinicius de Moraes, hein?!).
Coletânea de canções de candomblé, capoeira ou inspiradas em temas afro-brasileiros, o álbum tem a clássica 'Canto de Ossanha', que contou com a participação de Betty Faria no coro.
Dizem que, como canções de candomblé não podem ser interpretadas à toa, Baden precisou pedir autorização aos pais de santo para poder gravar um álbum com tais músicas.
Dizem também que Vinicius de Moraes frequentava os terreiros de candomblé e, ao contrário dos outros participantes dos rituais e das cerimônias religiosas que sentavam no chão, sentava-se em um banquinho por incorporar entidades superiores (ou será porque ele era Vinicius de Moraes, hein?!).
quarta-feira, 11 de abril de 2012
quarta-feira, 4 de abril de 2012
Rivotrill: remédio pra alma
Há algum tempo ando tomando doses cavalares de música instrumental. E tenho descoberto muita coisa boa sendo produzida no Brasil e fora daqui.
Há algum tempo, em 2009, na verdade, fui ao Centro Cultural Rio Verde (CCRV), na Vila Madalena, assisir a um pocket-show com Vitor Araujo e a Rivotrill, tocando parte do repertório do então novo show deles em formato acústico.
(Para quem não conhece o CCRV, vale a pena conhecer, seja em dia de show, ou apenas para dar uma volta pelo espaço que é bem bonito.)
Por ter chegado cedo, acompanhei todo o ensaio dos meninos do lado de fora e vi que, realmente, eles sabem o que estão fazendo.
O show completo aconteceu no Auditório do Ibirapuera, no final de semana seguinte, e, apesar de pouco público, teve na plateia - além de mim e de outros desconhecidos - o jornalista Boris Casoy (isso é só pra dar uma autoridade pro discurso – quer dizer, o show é bom, tão bom que até Boris Casoy esteve lá e comprou dois CDs e dois DVDs ao final... rs...).
Vitor Araújo é o menino-prodígio da música instrumental brasileira. Com apenas 11 anos de idade e um ano de estudos musicais, o recifense chamou a atenção por sua habilidade ao tocar piano, executando Invenção a duas vozes, número 2, de Bach, e sendo indicado para representar Pernambuco em um concurso em São Paulo. Na ocasião, conquistou menção honrosa em sua categoria.
A Rivotrill é uma banda instrumental, que como Araújo, vem de Pernambuco. O grupo, formado por Júnior Crato (flauta transversal, sax), Rafa Duarte (contrabaixo) e Lucas dos Prazeres (percussão), foi eleito como banda revelação no RecBeat em 2007 e, desde então, vem se apresentando com muita qualidade e muito bom humor.
A união desses jovens que parecem ser tímidos, todos na linha dos 20 e poucos anos, resultou num show que reuniu o contemporâneo, o erudito e o popular. O espetáculo, além de releituras de canções como Blue Rondo a La Turk, de Dave Brubeck, e Toc, de Tom Zé, trouxe canções – que mais parecem histórias, contos com começo, meio e fim – de autoria dos meninos, como Karaí, Chuva verde e Última sessão e contou com a participação do violonista Vinícius Sarmento, que no bis, no Ibirapuera, mostrou todo seu talento ao fazer um solo maravilhoso.
Fora isso, destaque para a embalagem do DVD – uma caixinha de madeira, aparentemente feita à mão pelo artista Fernando Duarte, responsável também pelo cenário do show.
Como disse Vitor no show: “É joinha e é de Recife!”
Então, ouve aí...
Há algum tempo, em 2009, na verdade, fui ao Centro Cultural Rio Verde (CCRV), na Vila Madalena, assisir a um pocket-show com Vitor Araujo e a Rivotrill, tocando parte do repertório do então novo show deles em formato acústico.
(Para quem não conhece o CCRV, vale a pena conhecer, seja em dia de show, ou apenas para dar uma volta pelo espaço que é bem bonito.)
Por ter chegado cedo, acompanhei todo o ensaio dos meninos do lado de fora e vi que, realmente, eles sabem o que estão fazendo.
O show completo aconteceu no Auditório do Ibirapuera, no final de semana seguinte, e, apesar de pouco público, teve na plateia - além de mim e de outros desconhecidos - o jornalista Boris Casoy (isso é só pra dar uma autoridade pro discurso – quer dizer, o show é bom, tão bom que até Boris Casoy esteve lá e comprou dois CDs e dois DVDs ao final... rs...).
Vitor Araújo é o menino-prodígio da música instrumental brasileira. Com apenas 11 anos de idade e um ano de estudos musicais, o recifense chamou a atenção por sua habilidade ao tocar piano, executando Invenção a duas vozes, número 2, de Bach, e sendo indicado para representar Pernambuco em um concurso em São Paulo. Na ocasião, conquistou menção honrosa em sua categoria.
A Rivotrill é uma banda instrumental, que como Araújo, vem de Pernambuco. O grupo, formado por Júnior Crato (flauta transversal, sax), Rafa Duarte (contrabaixo) e Lucas dos Prazeres (percussão), foi eleito como banda revelação no RecBeat em 2007 e, desde então, vem se apresentando com muita qualidade e muito bom humor.
A união desses jovens que parecem ser tímidos, todos na linha dos 20 e poucos anos, resultou num show que reuniu o contemporâneo, o erudito e o popular. O espetáculo, além de releituras de canções como Blue Rondo a La Turk, de Dave Brubeck, e Toc, de Tom Zé, trouxe canções – que mais parecem histórias, contos com começo, meio e fim – de autoria dos meninos, como Karaí, Chuva verde e Última sessão e contou com a participação do violonista Vinícius Sarmento, que no bis, no Ibirapuera, mostrou todo seu talento ao fazer um solo maravilhoso.
Fora isso, destaque para a embalagem do DVD – uma caixinha de madeira, aparentemente feita à mão pelo artista Fernando Duarte, responsável também pelo cenário do show.
Como disse Vitor no show: “É joinha e é de Recife!”
Então, ouve aí...
segunda-feira, 2 de abril de 2012
Como eu fiz amigos bebendo leite
É muito comum encontrar gente dizendo "Nunca fiz amigos bebendo leite". Já teve (ainda deve ter, na verdade) até comunidade no Orkut com o nome "Nunca fiz amigos bebendo leite". Pois é, contrariando isso, eu já fiz amigos bebendo leite.
Eu devia ter uns sete anos e estava na segunda série quando conheci a Juliana. Logo de cara não fui com a cara dela, o que não poderia ser diferente já que, além de ser mais velha do que eu, era do tipo bagunceira, que nenhuma professora queria ter em sua sala de aula...
Morávamos muito perto e íamos e voltávamos de perua juntas. Éramos as primeiras a serem pegas e as últimas a serem entregues, o que facilitou para que começássemos a conversar, mas isso só aconteceu na terceira série. O fato de sermos as últimas a serem entregues - o que fazia com que, eventualmente, chegássemos em casa muito, muito tarde - às vezes, a mãe dela ia buscá-la e me dava uma carona e, às vezes, minha tia ia me buscar, retibuindo a carona.
Não sei como, mas numa dessas caronas, Juliana foi parar na minha casa e o combinado foi que ela dormiria lá e, no dia seguinte depois de almoçarmos, meu avô nos levaria para a escola. Até aí tudo bem, a não ser pelo fato de eu, aos oito anos de idade, ainda tomar mamadeira. Como eu faria para manter meu segredo? E se ela por acaso contasse às outras crianças da sala que eu tomava mamadeira?
Meio contrariada, o jeito foi aceitar a presença daquela menina que não era muito minha amiga na minha casa por uma noite e torcer pra que ela não fosse tão ruim quanto parecia (e quanto a professora dizia).
Chegando a minha casa, depois de termos feito a lição, tomamos banho e começamos a nos preparar para dormir.
Como boa anfitriã, cedi minha cama para ela e deitei num colchão no chão que minha mãe tinha preparado direitinho para mim. Minha mãe, sempre cuidadosa, veio oferecer a nós duas um leitinho antes de dormir. Como eu nunca recusava, aceitei na hora. E qual não foi minha surpresa ao ouvir minha mãe dizer para a Juliana: "O da Poti, eu vou fazer e colocar na mamadeira. Você prefere o seu na mamadeira ou no copo?". Mais surpreendente ainda foi a resposta: "Na mamadeira, tia. Eu também tomo ainda."
Ao ouvir isso, as três se olharam e deram risada... o que eu tentava esconder a muito custo, finalmente podia ser contado e feito às claras.
Graças à mamadeira e à salada de acelga (era a salada preferida da Juliana) da minha vó, ficamos amigas de verdade. Companheiras em passeios, brincadeiras,bagunças na escola, bagunças em casa... E até hoje, apesar de não nos vermos há algum tempo, mantemos contato de alguma forma, ainda que seja virtual, como ela diz "longe dos olhos, mas perto do coração".
quarta-feira, 21 de março de 2012
Os delírios de Batatais (ou todo menino é um rei, até o Batatais)
Eu tenho um amigo que chama Paulo. Paulo trabalha numa banca de jornal e, talvez por causa disso, conhece muita gente e tem vários amigos (ou conhecidos) diferentes. Um desses amigos dele "chama" Batatais.
Batatais é um mendigo. Diz ele que é da cidade de Batatais, no interior de São Paulo. Batatais, todos os dias, passa logo cedo pela banca onde Paulo trabalha e diz: "Bom dia, senhores".
Em frente à banca de Paulo, há a banca do Bahia, mas, ao contrário de Paulo, Bahia vende frutas. Todos os dias, antes das 7 da manhã, Bahia já está ali, parado na esquina, vendendo frutas.
Bahia é de uma cidade do interior da Bahia. Largou por lá pais, esposa e filhos, para tentar a vida em São Paulo. E sim, ele conseguiu - na medida do possível. O dinheiro que consegue vendendo frutas é o mesmo que serve para pagar seu pequeno quarto em São Paulo, seu cigarro e as despesas da família na Bahia. Seu último presente para seu filho foi um notebook.
Todos os dias, ao passar pela banca, Batatais ganha de Bahia uma fruta - que pode ser, na verdade, um pedaço de abacaxi, um pedaço de melancia, duas bananas, uma goiaba - e um cigarro. Batatais não pede. Apenas ganha.
Após ganhar seu petit déjeuner, Batatais deita na calçada ao lado da banca e começa a cantar e conversar consigo mesmo em pequenos delírios. Às vezes, comenta sobre as pessoas e os locais que estão por ali - "Ei, você é a Monalisa?", disse para uma moça de cabelos lisos que descia a rua; "Não vai nesse restaurante não porque é cheio de formigas"... às vezes, só canta "Todo menino é um rei, eu também já fui rei...".
Hoje, Batatais me chamou de Camila. Me disse que seu pai fumava 2 maços de cigarro por dia e que hoje é dia da Inconfidência Mineira.
Eu podia usar os delírios de Batatais e escrever um texto bonito e poético, mas não sei fazer isso. Aliás, não sabemos nada sobre Batatais. Só que, todos os dias, ele faz o mesmo caminho carregando sua sacola, parando para conversar com a gente em papos sem nexo, divagando sozinho deitado na calçada e subindo a rua até desaparecer...
Batatais é um mendigo. Diz ele que é da cidade de Batatais, no interior de São Paulo. Batatais, todos os dias, passa logo cedo pela banca onde Paulo trabalha e diz: "Bom dia, senhores".
Em frente à banca de Paulo, há a banca do Bahia, mas, ao contrário de Paulo, Bahia vende frutas. Todos os dias, antes das 7 da manhã, Bahia já está ali, parado na esquina, vendendo frutas.
Bahia é de uma cidade do interior da Bahia. Largou por lá pais, esposa e filhos, para tentar a vida em São Paulo. E sim, ele conseguiu - na medida do possível. O dinheiro que consegue vendendo frutas é o mesmo que serve para pagar seu pequeno quarto em São Paulo, seu cigarro e as despesas da família na Bahia. Seu último presente para seu filho foi um notebook.
Todos os dias, ao passar pela banca, Batatais ganha de Bahia uma fruta - que pode ser, na verdade, um pedaço de abacaxi, um pedaço de melancia, duas bananas, uma goiaba - e um cigarro. Batatais não pede. Apenas ganha.
Após ganhar seu petit déjeuner, Batatais deita na calçada ao lado da banca e começa a cantar e conversar consigo mesmo em pequenos delírios. Às vezes, comenta sobre as pessoas e os locais que estão por ali - "Ei, você é a Monalisa?", disse para uma moça de cabelos lisos que descia a rua; "Não vai nesse restaurante não porque é cheio de formigas"... às vezes, só canta "Todo menino é um rei, eu também já fui rei...".
Hoje, Batatais me chamou de Camila. Me disse que seu pai fumava 2 maços de cigarro por dia e que hoje é dia da Inconfidência Mineira.
Eu podia usar os delírios de Batatais e escrever um texto bonito e poético, mas não sei fazer isso. Aliás, não sabemos nada sobre Batatais. Só que, todos os dias, ele faz o mesmo caminho carregando sua sacola, parando para conversar com a gente em papos sem nexo, divagando sozinho deitado na calçada e subindo a rua até desaparecer...
quinta-feira, 15 de março de 2012
Couve Premium ou Talharim Grelhado?
Almoçar fora pode se tornar uma aventura gastronômica quando você tem por perto uma dezena de opções para experimentar quando tem dinheiro ou não.
A mesma variedade que proporciona a você uma aventura pode proporcionar situações, no mínimo bizarras, especialmente no quesito "invencionices do chef".
Parece incrível, mas você já percebeu o que as pessoas inventam para chamar sua atenção e transforar um simples macarrão na manteiga em um prato com nome francês ou completamente bizarro que faz você pensar estar almoçando em algum restaurante chiquérrimo na Europa.
Explico: vocês já repararam as coisas que têm no cardápio dos restaurantes? Normalmente, são pratos simples, que você não levaria mais de 15 minutos nem gastaria mais de 15 reais pra preprar em casa, mas gracas a seus incríveis nomes, você paga mais de 25 reais por eles.
Outro dia, vi numa placa em um restaurante o seguinte: talharim grelhado. Alguém, por favor, poderia me explicar como faz isso porque, sinceramente, minha imaginação não é tão fértil assim.
No restaurante ao lado, o prato do dia era macarrão salteado na manteiga com ervas frescas. Conferi e nada mais era do que macarrão cozido, sem molho, passado na manteiga com 2 folhas de sálvia.
Na Vila Madalena, há um restaurante especializado em bruschettas (cuidado ao ler isso!). Ali você paga por nomes exóticos e come pão com alguma coisa simples em cima. Você vai encontrar coisas como "bruschetta tapenade de azeitonas pretas", "bruschetta ragù bolognese tradizionale", mas quer mesmo saber o que é? Uma fatia de pão com um monte de azeitona preta em cima ou uma fatia de pão com molho de tomate e carne moída mesmo, bem do tipo que vai no macarrão à bolonhesa de domingo.
Mas o que mais me impressionou no que diz respeito a bizarrices gastronômicas foi uma tal de "couve premium"... "Por 9 reais, você experimenta nossa deliciosa couve premium". Quer dizer, 9 reais pra comer um acompanhamento, sendo que esse acompanhamento é couve... E o que ela tem de premium? Alho. Pois é, ao perguntar o que seria essa tal de "couve premium", obtive como respostas: "é uma couve puxada no alho" (aliás, tudo que é "puxado em alguma coisa" é mais caro, cuidado com isso... puxado no alho, puxado no azeite...).
Acho que posso parar por aqui.
A mesma variedade que proporciona a você uma aventura pode proporcionar situações, no mínimo bizarras, especialmente no quesito "invencionices do chef".
Parece incrível, mas você já percebeu o que as pessoas inventam para chamar sua atenção e transforar um simples macarrão na manteiga em um prato com nome francês ou completamente bizarro que faz você pensar estar almoçando em algum restaurante chiquérrimo na Europa.
Explico: vocês já repararam as coisas que têm no cardápio dos restaurantes? Normalmente, são pratos simples, que você não levaria mais de 15 minutos nem gastaria mais de 15 reais pra preprar em casa, mas gracas a seus incríveis nomes, você paga mais de 25 reais por eles.
Outro dia, vi numa placa em um restaurante o seguinte: talharim grelhado. Alguém, por favor, poderia me explicar como faz isso porque, sinceramente, minha imaginação não é tão fértil assim.
No restaurante ao lado, o prato do dia era macarrão salteado na manteiga com ervas frescas. Conferi e nada mais era do que macarrão cozido, sem molho, passado na manteiga com 2 folhas de sálvia.
Na Vila Madalena, há um restaurante especializado em bruschettas (cuidado ao ler isso!). Ali você paga por nomes exóticos e come pão com alguma coisa simples em cima. Você vai encontrar coisas como "bruschetta tapenade de azeitonas pretas", "bruschetta ragù bolognese tradizionale", mas quer mesmo saber o que é? Uma fatia de pão com um monte de azeitona preta em cima ou uma fatia de pão com molho de tomate e carne moída mesmo, bem do tipo que vai no macarrão à bolonhesa de domingo.
Mas o que mais me impressionou no que diz respeito a bizarrices gastronômicas foi uma tal de "couve premium"... "Por 9 reais, você experimenta nossa deliciosa couve premium". Quer dizer, 9 reais pra comer um acompanhamento, sendo que esse acompanhamento é couve... E o que ela tem de premium? Alho. Pois é, ao perguntar o que seria essa tal de "couve premium", obtive como respostas: "é uma couve puxada no alho" (aliás, tudo que é "puxado em alguma coisa" é mais caro, cuidado com isso... puxado no alho, puxado no azeite...).
Acho que posso parar por aqui.
terça-feira, 13 de março de 2012
Uma garçonete caridosa
Aí, você vai ao restaurante que está acostumada a ir sempre e ele está participando da Restaurant Week. Aí, você vê a garçonete, sempre "super-simpática" com os clientes, participar do seguinte diálogo:
Deu vontade de interromper e chamar algum sociólogo para participar da discussão.
- Olha, senhor, é entrada, prato principal e sobremesa por R$ 31,90, sem bebidas, nem serviço.
- Legal, mas é só R$ 31,90 mesmo, né?
- É, tem mais 1 real que é pra ser doado para a entidade XPTO.
- Mas então é R$ 32,90...
- Olha, senhor, é uma doação...
- Mas eu não sou obrigado a doar, né?
- Não, mas aí vai da consciência de cada um. Quer dizer, o senhor gasta 31 reais comendo do bom e do melhor, entrada, prato principal e sobremesa... que diferença faz doar 1 real?
- Um café, talvez.
- Então... Bom, por que, enquanto o senhor estiver se acabando de comer, não pensa nas milhares de pessoas que não têm o que comer e se dispõe a doar esse 1 real, hein?
- Já pensei... Vou comer algo do cardápio mesmo, só pra não ter que passar meu almoço pensando nisso, nem ter que fazer essa doação pra sua família.
- Ok, senhor.
Deu vontade de interromper e chamar algum sociólogo para participar da discussão.
quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012
A música, o candomblé e o que dizem...
Em 1966, junto com Vinicius de Moraes e dividindo os vocais com o Quarteto em Cy, Baden Powell gravou o álbum ‘Os Afro-Sambas’.
Coletânea de canções de candomblé, capoeira ou inspiradas em temas afro-brasileiros, o álbum tem a clássica ‘Canto de Ossanha’, que contou com a participação de Betty Faria no coro.
Dizem que, como canções de candomblé não podem ser interpretadas à toa, Baden precisou pedir autorização aos pais de santo para poder gravar um álbum com tais músicas.
Dizem também que Vinicius de Moraes frequentava os terreiros de candomblé e, ao contrário dos outros participantes dos rituais e das cerimônias religiosas que sentavam no chão, sentava-se em um banquinho por incorporar entidades superiores (ou será porque ele era Vinicius de Moraes, hein?!).
Coletânea de canções de candomblé, capoeira ou inspiradas em temas afro-brasileiros, o álbum tem a clássica ‘Canto de Ossanha’, que contou com a participação de Betty Faria no coro.
Dizem que, como canções de candomblé não podem ser interpretadas à toa, Baden precisou pedir autorização aos pais de santo para poder gravar um álbum com tais músicas.
Dizem também que Vinicius de Moraes frequentava os terreiros de candomblé e, ao contrário dos outros participantes dos rituais e das cerimônias religiosas que sentavam no chão, sentava-se em um banquinho por incorporar entidades superiores (ou será porque ele era Vinicius de Moraes, hein?!).
quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012
Sobre Fazer Listas
Tenho mania de fazer listas. Não, não são listas de promessas de fim
de ano, muito menos de compras. São listas de coisas esquisitas.
Uma delas é a lista de metas da minha vida… Tá certo que, na maioria das vezes, o tempo planejado para cumprir as tais “metas” não dá certo, mas, aos poucos, estou tentando cumpri-las.
Meu facebook é todo dividido em listas, quer dizer, meus amigos se dividem em listas: legais, mas que eu não preciso manter contato sempre; legais; amigos; não cheira, nem fede….
Minha especialidade é fazer listas de presentes que quero ganhar de aniversário, Natal, etc. Como sou bem enjoadinha, prefiro saber o que vou ganhar a ganhar uma coisa que, com toda a certeza, não vou conseguir disfarçar que não gostei. Facilita a vida das poucas pessoas que me presenteiam: quer me dar um presente, mas não sabe o quê, eu tenho uma lista com tudo que quero e para todos os bolsos.
Mas a mais bizarra das minhas listas é, sem dúvidas, a lista de pessoas com quem eu me casaria fácil (sim, esse é o nome da lista!). A lista é longa e todos os nomes têm uma justificativa de ser. Porém o que há de mais bizarro nela é o fato de que todos, ou 90% das opções, são homens velhos, feios e/ou mortos, mas principalmente velhos e feios.
Deixo vocês com meu top five para me zoarem. Quer dizer, aceito críticas e sugestões, bem como indicações de candidatos vivos e mais acessíveis.
1. Samuel Beckett
2. Jorge du Peixe
3. Marcelo D2
4. Lenine
5. Fred 04
...
Uma delas é a lista de metas da minha vida… Tá certo que, na maioria das vezes, o tempo planejado para cumprir as tais “metas” não dá certo, mas, aos poucos, estou tentando cumpri-las.
Meu facebook é todo dividido em listas, quer dizer, meus amigos se dividem em listas: legais, mas que eu não preciso manter contato sempre; legais; amigos; não cheira, nem fede….
Minha especialidade é fazer listas de presentes que quero ganhar de aniversário, Natal, etc. Como sou bem enjoadinha, prefiro saber o que vou ganhar a ganhar uma coisa que, com toda a certeza, não vou conseguir disfarçar que não gostei. Facilita a vida das poucas pessoas que me presenteiam: quer me dar um presente, mas não sabe o quê, eu tenho uma lista com tudo que quero e para todos os bolsos.
Mas a mais bizarra das minhas listas é, sem dúvidas, a lista de pessoas com quem eu me casaria fácil (sim, esse é o nome da lista!). A lista é longa e todos os nomes têm uma justificativa de ser. Porém o que há de mais bizarro nela é o fato de que todos, ou 90% das opções, são homens velhos, feios e/ou mortos, mas principalmente velhos e feios.
Deixo vocês com meu top five para me zoarem. Quer dizer, aceito críticas e sugestões, bem como indicações de candidatos vivos e mais acessíveis.
1. Samuel Beckett
2. Jorge du Peixe
3. Marcelo D2
4. Lenine
5. Fred 04
...
quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
30 Anos
Nesse fim de ano, eu fiz 30 anos. Não que isso signifique muito
pra mim, afinal, é só mais um número pra coleção de números da minha
vida. Mas é estranho; parece que fazer 30 anos tem muito mais
significado para os outros.
Há algumas semanas, as pessoas vêm me perguntando como me sinto prestes a fazer 30 anos, prestes a me tornar uma balzaquiana, preste a isso, a aquilo… enfim…
Sinceramente, me sinto do mesmo jeito que me senti quando fiz 18, outro número supostamente marcante: nada muda. Aliás, talvez mude sim, já que agora passarei a usar o Chronos 30 da Natura ao invés do 25, mas, de resto, tudo permanece igual.
Quando eu era pequena, ficava imaginando como seria minha vida aos 18 anos. Em minha cabeça louca e criativa de criança, passavam imagens todas prateadas, futurísticas, roupas metálicas, naves… resumindo: Jetsons. Cheguei aos 18 anos e o mundo continuava do mesmo jeito que eu o conheci quando nasci.
É, tirando algumas poucas mudanças “revolucionárias”, como o surgimento da “incrível” internet, agora, aos 30 anos, vejo que é verdade, as coisas não mudam. O que mudam, no máximo, são os nomes (mas por essa etapa, eu passei aos 12 anos) e a forma como vemos as coisas…
Há algumas semanas, as pessoas vêm me perguntando como me sinto prestes a fazer 30 anos, prestes a me tornar uma balzaquiana, preste a isso, a aquilo… enfim…
Sinceramente, me sinto do mesmo jeito que me senti quando fiz 18, outro número supostamente marcante: nada muda. Aliás, talvez mude sim, já que agora passarei a usar o Chronos 30 da Natura ao invés do 25, mas, de resto, tudo permanece igual.
Quando eu era pequena, ficava imaginando como seria minha vida aos 18 anos. Em minha cabeça louca e criativa de criança, passavam imagens todas prateadas, futurísticas, roupas metálicas, naves… resumindo: Jetsons. Cheguei aos 18 anos e o mundo continuava do mesmo jeito que eu o conheci quando nasci.
É, tirando algumas poucas mudanças “revolucionárias”, como o surgimento da “incrível” internet, agora, aos 30 anos, vejo que é verdade, as coisas não mudam. O que mudam, no máximo, são os nomes (mas por essa etapa, eu passei aos 12 anos) e a forma como vemos as coisas…
segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
Sobre Os Correios
Vou confessar uma coisa: eu sinto falta de escrever cartas. Sim,
mesmo respirando tecnologia quase que 24 horas por dia, o que me
aproxima de 90% das pessoas pra quem eu gostaria de escrever, sinto
falta de escrever cartas para elas.
Não sou tão velha assim, mas sou do tempo em que…
…quando queriam ganhar um brinquedo, as crianças mandavam cartinhas para o programa de sua apresentadora infantil preferida.
… para participar de promoções, as mães recortavam embalagens de macarrão e mandavam para uma determinada caixa postal até uma data específica e ficavam ansiosas pelo sorteio ao vivo no intervalo da novela das oito.
… os casais apaixonados escreviam suas declarações por cartas enviadas sempre em papéis bonitos e, às vezes, até perfumados.
… os que queriam se declarar, mas não tinham coragem, escreviam cartas que dificilmente seriam enviadas.
… amigos distantes contavam novidades por cartas que demoravam a chegar. Mal recebíamos uma, já ficávamos à espera do que viria nas próximas.
… amigos adolescentes trocavam segredos por cartinhas em folhas de caderno arrancadas durante a aula.
… colecionávamos os mais belos papéis para enviar às pessoas mais queridas.
Não que eu não goste da facilidade e da rapidez com que a internet me proporciona acesso às pessoas queridas (ou não), mas há certa impessoalidade nestas relações, certo distanciamento.
Cada vez que vejo um recado, um post, um tweet, fico imaginando como seria a letra de quem escreve – será a caligrafia redondinha ensinada antigamente na escola ou a letra de forma objetiva ou a incompreensível letra de médico? -, em que papel estariam escritas aquelas palavras… será que, no espaço da página em branco, seriam mesmo aquelas as palavras escolhidas….
Quando eu era adolescente, havia seções em algumas revistas (como a Rock Brigade) destinadas à troca de correspondência. Funcionava assim: caso quisesse se corresponder com pessoas de diversos lugares, com interesses em comum, você mandava seu endereço para a seção e, depois de publicado, as pessoas começavam a trocar cartas. Era o tal do penpal americano em verão nacional. Nunca mandei meu endereço por não gostar da exposição, mas, certa vez, no curso de inglês, a professora passou o endereço de uma garota que morava em New Jersey e que gostaria de se corresponder com os alunos. Aproveitando a oportunidade para treinar nosso inglês, eu e os outros alunos começamos a escrever.
A ansiedade adolescente deixava a situação ainda mais emocionante: eu não só receberia uma carta, como ela viria de outro país, escrita em outro idioma… Como se New Jersey fosse na esquina da minha casa, todos os dias, eu esperava ansiosa que o porteiro colocasse embaixo da porta o envelope branquinho com o selinho colorido e o carimbo vermelho com a data.
Tenho até hoje as cartas que recebia da Nicole – sim era esse o nome da minha penpal friend, assim como tenho guardadas muitas das cartinhas que recebi nesses quase 30 anos de vida… Reler certas palavras, rever letras que uma vez foram tão comuns para mim, lembrar assuntos e segredos tão inocentes, lembrar de pessoas que já se foram… É, é disso que eu sinto falta, de ter os sentimentos e as pessoas, de alguma forma, para sempre presentes na minha vida.
Não sou tão velha assim, mas sou do tempo em que…
…quando queriam ganhar um brinquedo, as crianças mandavam cartinhas para o programa de sua apresentadora infantil preferida.
… para participar de promoções, as mães recortavam embalagens de macarrão e mandavam para uma determinada caixa postal até uma data específica e ficavam ansiosas pelo sorteio ao vivo no intervalo da novela das oito.
… os casais apaixonados escreviam suas declarações por cartas enviadas sempre em papéis bonitos e, às vezes, até perfumados.
… os que queriam se declarar, mas não tinham coragem, escreviam cartas que dificilmente seriam enviadas.
… amigos distantes contavam novidades por cartas que demoravam a chegar. Mal recebíamos uma, já ficávamos à espera do que viria nas próximas.
… amigos adolescentes trocavam segredos por cartinhas em folhas de caderno arrancadas durante a aula.
… colecionávamos os mais belos papéis para enviar às pessoas mais queridas.
Não que eu não goste da facilidade e da rapidez com que a internet me proporciona acesso às pessoas queridas (ou não), mas há certa impessoalidade nestas relações, certo distanciamento.
Cada vez que vejo um recado, um post, um tweet, fico imaginando como seria a letra de quem escreve – será a caligrafia redondinha ensinada antigamente na escola ou a letra de forma objetiva ou a incompreensível letra de médico? -, em que papel estariam escritas aquelas palavras… será que, no espaço da página em branco, seriam mesmo aquelas as palavras escolhidas….
Quando eu era adolescente, havia seções em algumas revistas (como a Rock Brigade) destinadas à troca de correspondência. Funcionava assim: caso quisesse se corresponder com pessoas de diversos lugares, com interesses em comum, você mandava seu endereço para a seção e, depois de publicado, as pessoas começavam a trocar cartas. Era o tal do penpal americano em verão nacional. Nunca mandei meu endereço por não gostar da exposição, mas, certa vez, no curso de inglês, a professora passou o endereço de uma garota que morava em New Jersey e que gostaria de se corresponder com os alunos. Aproveitando a oportunidade para treinar nosso inglês, eu e os outros alunos começamos a escrever.
A ansiedade adolescente deixava a situação ainda mais emocionante: eu não só receberia uma carta, como ela viria de outro país, escrita em outro idioma… Como se New Jersey fosse na esquina da minha casa, todos os dias, eu esperava ansiosa que o porteiro colocasse embaixo da porta o envelope branquinho com o selinho colorido e o carimbo vermelho com a data.
Tenho até hoje as cartas que recebia da Nicole – sim era esse o nome da minha penpal friend, assim como tenho guardadas muitas das cartinhas que recebi nesses quase 30 anos de vida… Reler certas palavras, rever letras que uma vez foram tão comuns para mim, lembrar assuntos e segredos tão inocentes, lembrar de pessoas que já se foram… É, é disso que eu sinto falta, de ter os sentimentos e as pessoas, de alguma forma, para sempre presentes na minha vida.
sexta-feira, 13 de janeiro de 2012
O botão. As pessoas.
Eu não gosto de botão. Não é por nada, eu até sei que são importantes, mas eles caem. E quando caem, perdem-se. E quando perdem-se, nunca mais se encontra um igual. E aí, ficamos lá, com a casinha sem o botão.
De repente, a gente tá andando sem pensar em nada e encontra o botão perdido. O botão perdido que nunca mais achará sua casinha. É. Já trocamos os botões, já doamos a roupa...
E o que se faz com o botão encontrado? Tem gente que faz colar. Mas um colar de botões encontrados é só um colar de botões perdidos que nunca mais serão encontrados.
De repente, a gente tá andando sem pensar em nada e encontra o botão perdido. O botão perdido que nunca mais achará sua casinha. É. Já trocamos os botões, já doamos a roupa...
E o que se faz com o botão encontrado? Tem gente que faz colar. Mas um colar de botões encontrados é só um colar de botões perdidos que nunca mais serão encontrados.
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